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Crítica | A Solidão dos Números Primos, de Paolo Giordano

Uma narrativa enigmática sobre traumas e suas marcas em nossas travessias de vida.

por Leonardo Campos
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De acordo com as teorias da matemática, os números primos só podem ser divididos por um ou por eles mesmos. Apenas números naturais podem ser primos e pelo Crivo de Erastóstenes, são encontrados 25 no feixe de números abaixo de 100. Alguns são chamados primos gêmeos, casais de números que estão lado a lado, quase vizinhos, tendo entre eles um número par que os impede de se tocar verdadeiramente, como descrito por Paolo Giordano em A Solidão dos Números Primos, romance que aborda, com complexidade e melancolia, a travessia de dois personagens alegorizados pelos tipos de algarismos do título, desajustados, retraídos, próximos um do outro, mas distanciados por uma série de circunstâncias. O escritor italiano, PHD em Física, premiado já nesta publicação, entregou em sua primeira história capítulos curtos e uma trajetória literária com tipos ficcionais profundos, amargos pelos traumas vivenciados ao longo dos caminhos pavimentados em suas respectivas existências de situações árduas. A dupla é como o 11 e o 13, números primos aparentemente próximos, mas distanciados pelo par que os impedem de conseguir o tão almejado tato, um dos cernes deste romance emocionante.

Mattia e Alice trilharam caminhos conturbados em suas vidas. O presente de ambos funciona como um turbilhão de memórias centrifugadas cotidianamente quando precisam lidar com situações de sociabilidade. Ele, quando criança, abandonou temporariamente a sua irmã gêmea, uma pessoa com deficiência mental, tudo em prol de um momento breve de diversão com outros de sua idade. A brecha acaba numa tragédia que marca para sempre a relação com os seus pais, indivíduos que tomam antipatia do garoto e o tornam uma figura indesejável no lar. Quando consegue uma bolsa de estudos internacional, a sua mãe de certa maneira vibra com o afastamento, agoniada com o menino que deixou de ter amigos para desenvolver relações com símbolos, um personagem com traços característicos ideais para uma leitura comparada com os tipos criados por Clarice Lispector, a musa das epifanias e do fluxo de consciência. Nadia é colocada no romance como um número da sequência de Mattia. Fascinada, ao mesmo tempo ela estranha os motivos que a levam a ser tão interessada no rapaz antissocial e distante.

No caso de Alice, temos uma trajetória igualmente desconfortante. Também afastada da família, em especial, de seu pai, a jovem foi pressionada quando criança a ser uma campeã do esqui, algo que não era necessariamente uma paixão sua, mas da figura paterna. Certa vez, aos sete anos de idade, participou de um festival que quase a matou. Caiu, se machucou e ficou com cicatrizes que a desfiguraram, além de ter se tornado uma pessoa manca, com visão amarga do mundo, uma desajustada que sofreu constantemente na fase escolar, dos tripúdios de suas colegas de aula ao sofrimento por precisar do mínimo de socialização. Acometida pela anorexia, Alice também se tornou neurótica e, consequentemente, hostil. Mergulhada numa atmosfera sisuda, por sua vez, desenvolve um encanto inexplicável por Mattia. Em seu caminho, há o médico Fábio, um homem que busca normalidade na garota, algo que ela não pode ofertar. Tal como Mattia, ela também possui o número par que se põe como obstáculo diante do desejado, mas temido toque. É algo alegórico ao longo da narrativa, estratégia narrativa interessante.

Traduzido para mais de 30 idiomas, A Solidão dos Números Primos foi lançado no Brasil pela Editora Rocco, num projeto editorial de 288 páginas fluentes, com capítulos curtos, aparentemente dinâmicos pela assertiva tradução de Y. A. Figueiredo. Em linhas gerais, o romance é uma história que pode ser refletida sobre diversos vieses, no entanto, podemos definir a publicação como um painel de traumas e suas modelagens em nossas vidas. Ao passo que cada memória é atividade por parte dos personagens, observamos que tais criaturas intensamente humanas, mas assombrosas quando comparadas com os padrões de normalidade, encontram na solidão um espaço de conforto para as suas vidas. Ambos são capazes de promover um sorriso ou qualquer mera emoção naqueles que gravitam em torno de suas existências, no entanto, apresentam incapacidade de se relacionar com tais sentimentos, sem conseguir trazê-los para si. Com muita genialidade, típica dos estereótipos sobre indivíduos da áreas de exatas, Paolo Giordano nos entrega um painel de tipos frios, melancólicos, opacos, desprovidos de qualquer traço referentes às convenções sobre “humanidade”.

A Solidão dos Números Primos (La Solitudine Dei Numeri Primi/Itália, 2008)
Autor: Paolo Giordano
Editora: Rocco
Tradução: Y. A. Figueiredo
Páginas: 288

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