A premissa de A Sala dos Professores equilibra-se na tênue linha entre a suspeita e a acusação de alguém por um ato criminoso. O roteiro do diretor Ilker Çatak, em parceria com Johannes Duncker, considera uma boa quantidade de elementos sociais, éticos, morais e emocionais em torno dessa dualidade, como a obtenção de provas contundentes, o impacto de uma falsa acusação e as consequências geradas por uma abordagem desastrosa desse tipo de problema num ambiente escolar. O tema não é abordado exatamente de forma sutil, mas não há atropelos ou excesso sentimental, apenas algo bem convencional na criação dos “dois lados” da moeda. Há também muito cuidado do cineasta em destacar a figura da professora Carla Nowak (Leonie Benesch, em atuação cuidadosamente medida para não sair da “aparência de normalidade” que a personagem finge existir na escola) passando por diferentes estágios de um problema que só cresce à medida que o tempo passa.
O recorte para a sociedade alemã pode trazer certa estranheza a um espectador brasileiro ou de qualquer outro país com um sistema de ensino diferente. A problemática, no entanto, é universal, e não há aqui problemas de entendimento de motivações ou de impacto que os furtos cometidos na escola podem causar às pessoas envolvidas direta ou indiretamente. Na construção dos fatos, o roteiro deixa um pouco a verossimilhança de lado quando molda a persona de Nowak, que não se dispõe a dar um passo definitivo na investigação, mesmo quando se torna vítima de coisas bem ruins. Esta é, contudo, uma linha dramática que se mistura bem ao conflito e acaba encontrando suas justificativas atenuantes. Como extensão da ótima direção de elenco (especialmente o infantil, com destaque para a figura de Oskar, interpretado por Leonard Stettnisch), temos uma dúvida genuína plantada desde o primeiro ato, e é em cima dela que o drama de fato se desenvolve… mas não é verdadeiramente concluído.
A escolha por deixar o final aberto é, em parte, algo que tornou o filme interessante, justamente porque prolonga a discussão para a esfera das possibilidades, da investigação das pistas, das suspeitas, atos e reações. Vejo esse modelo de concepção (para este tipo de obra) como algo positivo. No entanto, parte do caminho até a conclusão, exatamente por conta dessa escolha para o final, se enche de interrogações desnecessárias, como o comportamento da mãe de Oskar após a reunião de pais. A personagem parece se enveredar por um caminho de ameaça à vida da professora (assim como o menino, ameaçando-a diretamente, inclusive), e há um tom macabro envolvendo mãe e filho na parte final, reforçada pela incrível trilha sonora, cujo uso é aplaudível ao longo de toda a duração da película.
Até que ponto a defesa de uma criança deve ir, em um caso envolvendo comportamentos reprováveis, suspeitas generalizadas e situações legais que abraçam uma escola, miram em um educador, e atinge todo um corpo docente? A Sala dos Professores é um filme de observação de comportamentos e atitudes em meio a uma crise de confiança e reprovável administração de problemas por parte da direção escolar. Em alguns momentos, vieram-me à mente a dinâmica de obras como A Caça (2012) e Aos Teus Olhos (2017), considerando a forma como as famílias e até outros grupos de alunos se envolvem no caso (a sequência do jornal, da entrevista com a professora até o lançamento, é maravilhosa por toda a tensão que causa). Fazer a coisa certa é bem diferente de precipitar-se e tentar resolver problemas complexos sem conversar com outras pessoas à volta e imaginar um plano coerente de ação. Seguindo pelo caminho do impulso, o resultado pode ser bem pior que o esperado.
A Sala dos Professores (Das Lehrerzimmer / The Teachers’ Lounge) — Alemanha, 2023
Direção: Ilker Çatak
Roteiro: Johannes Duncker, Ilker Çatak
Roteiro: Leonie Benesch, Anne-Kathrin Gummich, Rafael Stachowiak, Michael Klammer, Eva Löbau, Kathrin Wehlisch, Sarah Bauerett, Canan Samadi, Kersten Reimann, Henriette Sievers, Benjamin Bishop, Tim Porath, Katinka Auberger, Katharina Marie Schubert, Uygar Tamer, Özgür Karadeniz, Leonard Stettnisch, Oskar Zickur, Antonia Luise Krämer
Duração: 98 min.