A Saída dos Trens é um filme que beira o insuportável. E não porque é um filme ruim, muito longe disso. É porque a escalada, repetição e duração das misérias expostas pelos diretores Radu Jude (Eu Não me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros) e Adrian Cioflâncã (que também é historiador e, na época da produção deste filme, diretor do Centro Wilhelm Filderman para Estudo da História Judaica na Romênia) esgotam o psicológico e emocional de qualquer espectador.
O documentário (que sim, é cansativo pelo já citado motivo emocional, mas um pouco também pela forma) assemelha-se à exposição de um índice doloroso de cartas, diários, depoimentos e documentos deixados pelos sobreviventes do progrom que assolou a Romênia no ano de 1941, mais especificamente, o massacre na cidade de Iași (Jassy), entre os dias 28 e 30 de junho daquele ano. Por ordem do líder do país à época, Ion Antonescu, a Guarda de Ferro, o Exército, a polícia e os cidadãos da cidade localizaram e torturaram, espancaram e mataram 13.266 judeus.
O que A Saída dos Trens nos revela é uma sequência simples e crua de diversas fotografias de família, de passaportes e inúmeros outros documentos de todas as vítimas que os diretores conseguiram encontrar. Diferente de Letra Maiúscula (também lançado em 2020), Radu Jude não permite sequer um momento de encenação para dinamizar a leitura dos relatos. As vozes off nos guiam pelo horror da mortandade daquele momento histórico, que os cineastas representam através de telas negras e fotos em toda a primeira parte do filme, chamada de Depoimentos; enquanto a segunda parte, Imagens, dá uma visão ainda mais tenebrosa daquilo que imaginávamos só de ouvir e ler o que os sobreviventes diziam.
A forma adotada aqui não poderia ser mais acertada. Sem guiar o espectador a partir de uma narração, sem adicionar nada na obra que não seja o seu foco principal (o extermínio seguido de mais mortes por sufocamento e sede, nos vagões dos “trens da morte” que saíam da cidade em direção aos Campos de Concentração), os diretores transformaram o filme em uma fonte documental crua, que obviamente tem o seu recorte específico, mas ele está aberto para quem quiser ver. O trabalho do espectador aqui é o mesmo do pesquisador diante de um documento, da fonte bruta a partir da qual ele deverá produzir a sua própria interpretação, o seu próprio argumento a respeito.
Vindo em um tempo de levante das extremas direitas em casas parlamentares europeias, A Saída dos Trens é o tipo de filme que serve como base de discussão imediata do por quê devemos identificar e combater com furor quaisquer iniciativas governistas/legislativas que tragam consigo a discriminação contra algum grupo social. De qualquer grupo que busca por uma vida digna e por igualdade de direitos. É o tipo de filme que olha para o passado e nos faz lutar para que iniciativas que tentam imitar, homenagear ou reescrever com louvor os horrores que ceifaram milhares de vidas no passado sejam imediatamente cortados pela raiz e jogados no lixo da História, que é onde verdadeiramente pertencem.
A Saída dos Trens (Iesirea Trenurilor Din Gara) – Romênia, 2020
Direção: Adrian Cioflâncã, Radu Jude
Roteiro: Adrian Cioflâncã, Radu Jude
Duração: 175 min.