- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.
Não vou mentir: minhas expectativas com o retorno de A Roda do Tempo não poderiam ser mais baixas, tanto que até perdi a janela da trinca inicial de episódios, razão pela qual o presente artigo tem textos dos quatro capítulos iniciais do terceiro ano (quase uma crítica da temporada inteira…). Dito isso, nunca começo uma série de má vontade e, por mais que a adaptação da magnum opus de Robert Jordan não incite animação, a obra como um todo, até aqui, também tem seus momentos de entretenimento e, de maneira geral, não é de toda ruim. Vamos lá?!
3X01
Vencer a Sombra
Vencer a Sombra tem um pequeno salto temporal de um mês depois da batalha em Falme, onde vemos Liandrin ser convocada perante o Salão da Torre Branca para ser julgada como membro da Ajah Negra. Para surpresa das Aes Sedai – e não tanto da audiência – várias outras bruxas se revelam amigas das trevas, dando início a uma batalha extremamente violenta, em que diversos personagens morrem, incluindo Ihvon, a figura de maior expressão que deixa a série durante o combate. Confesso que a abertura frenética me surpreendeu, com um trabalho de direção intenso, dispondo de efeitos especiais eficientes e caminhos narrativos interessantes, passando pela fuga de Liandrin, o enfraquecimento das Aes Sedai e o escalonamento do conflito entre os dois lados da história.
Infelizmente, o restante do episódio é bastante protocolar. Temos basicamente um texto superficial e simplista que lida com algumas consequências emocionais dos eventos da temporada anterior. É difícil se importar com alguns desses momentos considerando o quão pouco carismáticos ou interessantes são os personagens, principalmente o eternamente genérico Rand, além de que o roteiro não traz nada dramaticamente notável. Talvez a exceção seja o arco traumático de Egwene, que desde o ano anterior tem se mostrado o núcleo de melhor aprofundamento da série. Mesmo assim, alguns momentos aqui são simpáticos, com a reunião do grupo de Dois Rios depois de algumas aventuras intensas, reatando antigos amores, fazendo piadas e encontrando no companheirismo uma forma de seguirem suas jornadas.
O conflito proposto pelo texto é a separação do grupo, mais uma vez… o que me soa demasiadamente repetitivo (e corrido, já que o texto se atropela para chegar logo nesse ponto), mas que acaba sendo a forma de se destrinchar a narrativa pelo extenso universo da obra. O plano de Moraine e Lanfear é meio bobo, mas acaba ganhando uma camada de perigo por conta do ataque de Moghedien – que é bem caracterizada, principalmente nos toques de horror que sua participação ganha -, fazendo com que o objetivo de separar Rand dos seus amigos inadvertidamente funcione, apesar do mesmo decidir seguir para Aiel Waste. Depois de um começo sangrento, a série volta a um caráter introdutório e de reorganização de tabuleiro (se na terceira temporada ainda precisamos disso, fica difícil), basicamente estabelecendo o status quo das temporadas passadas, mas agora com grupos diferentes. Alguns desdobramentos são intrigantes, com destaque para o papel complicado de Egwene e a estadia de Nynaeve, Elayne e Mat em Tar Valon, onde as coisas devem estar uma bagunça. Veremos o que o restante do ano promete.
3X02
Uma Questão Carmesim
Uma Questão Carmesim tem um início curioso. Em um flashback, vemos Morgase Trakand (Olivia Williams), a mãe de Elayne, vencendo a guerra da sucessão para assumir o trono de Andor. É, mais uma vez, uma abertura violenta… mas relativamente vazia e gratuita, já que não temos contexto e não conhecemos as figuras em torno do conflito. Ainda assim, a cena serve para estabelecer o quão implacável é Morgase, dando base para sua chegada na Torre Branca para levar Elayne de volta para casa. Junta-se isso ao enfraquecimento das Aes Sedai, talvez ainda com membros infiltrados, e a participação de Elaida (Shohreh Aghdashloo, sempre fantástica e reconhecível por conta de sua voz marcante), que traz aquele aspecto de um coadjuvante maquiavélico, e temos um palco que mistura ali elementos políticos e uma trama palaciana para impulsionar o enredo.
No entanto, esse é um episódio que quer ser mais esperto do que efetivamente é. O texto expositivo mascara a falta de uma construção de intriga que chame a atenção da audiência, principalmente na forma como vemos mais discussões pessoais – quantas cenas melodramáticas! – do que tramoias ou elementos narrativos de real significado. Existem sugestões aqui e ali, como a questão dos votantes e a possibilidade de destronar Siuan, bem como as migalhas de uma possível nova guerra de sucessão, mas nada de maior destaque apresentado aqui. Tentando ser otimista e espremendo ao máximo a qualidade do roteiro, pelo menos temos sinais de um narrativa melhor encorpada com questões monárquicas, disputas territoriais e conflitos internos – o retorno de Min como uma espiã talvez seja uma boa ideia também. Quem sabe o restante da temporada possa desenvolver esses elementos, talvez até com Elayne no centro de tudo isso, considerando seu papel de maior expressão na temporada.
No mais, voltamos àquela narrativa fragmentada que a série nunca conseguiu abordar com destreza. Temos relances das tramas dos outros personagens, mas todas com uma progressão lenta, mais diálogos expositivos e o cacoete da produção de sempre parecer estar preparando algo que não é recompensado em desfechos corridos ao final da temporada. Rever Perrin tentando salvar Dois Rios me parece um retrocesso narrativo – não vejo o que de interessante possa sair desse retorno ao vilarejo -, tampouco estou impressionado com esse ensaio messiânico com Rand, apesar de Egwene continuar sendo um ponto fora da curva, bem como a presença dos Amaldiçoados se manter outro elemento bacana, principalmente pela dinâmica de Lanfear com praticamente todo mundo. No fim, Elaida continuar na Torre é o momento que mais gosto de todo o episódio, que, de maneira geral, tem um ritmo horroroso.
3X03
Sementes da Sombra
Como eu gosto da presença de Lanfear e seus outros colegas leais ao Tenebroso. Logo no comecinho de Sementes da Sombra, temos uma reunião entre eles, com a adição de Sammael e Rahvin ao grupo de amaldiçoados que têm suas próprias agendas. Os vilões não poderiam ser mais genéricos, mas são seus típicos antagonistas de fantasia que trazem um certo carisma e uma certa vilania clássica que é bacana de assistir. Eles trazem personalidade para a narrativa sem brilho da série, além de serem os únicos com algum tipo de sagacidade. O que está acontecendo com Moiraine, por exemplo? Que parece mais e mais apática com o decorrer dos episódios e quase sem impacto na direção da história.
No arco de Aiel Wast, a personagem que, em algum ponto, foi protagonista, parece só ser levada pelas decisões dos outros. Não que esse núcleo em si seja lá interessante em seus tópicos mal resolvidos de Rand como um salvador ou destruidor desse povo (mais profecias e testes à vista…), mas é bom ver o jogo de traição entre os personagens, em especial entre ela e Lanfear, que tem parecido boazinha demais pro meu gosto. Falando em traição, o núcleo na Torre Branca ganhou mais vida se comparado ao episódio anterior, com Elaida realmente sacudindo a trama de conflitos e interesses com o trono das Aes Sedai. Por mais superficial que tudo continue sendo, a personagem traz algum nível de intriga para esse lado da história. Só não sei se gosto da ideia de Nynaeve, Elayne e Mat deixarem esse espaço logo quando as coisas começaram a esquentar um pouco – e o que dizer daquela sequência patética das duas interrogando as duas traidoras? Que negócio amador.
No mais, temos mais um episódio protocolar, sem muitos destaques. Em Dois Rios, temos alguns momentos ligeiramente comoventes no arco chatíssimo de Perrin virando líder do vilarejo, enquanto do lado Rand pouca coisa efetivamente acontece para além de alguns diálogos crípticos, mais pesadelos, tensões sexuais e uma leve expansão sobre as tradições e as culturas dos Aiel. A pequena subtrama de Lan me chamou atenção, porém, bem como o bloco final de Liandrin, com a presença de Moghedien infiltrada no local. Sementes da Sombra continua a progressão vagarosa e fragmentada da série, mas pelo menos tem alguns momentos de maior destaque do que o episódio anterior.
3X04
O Caminho para a Lança
O Caminho para a Lança é o episódio mais sólido da temporada até aqui. Isso acontece, inicialmente, pela abordagem exclusiva do roteiro, que foca integralmente no núcleo protagonizado por Rand, onde vemos o personagem, Moiraine e Aviendha passarem por um teste em Rhuidean, uma espécie de cidade sagrada para os Aiel. O design do local chama atenção, com uma espécie de névoa e colunas de cristal que se erguem para o céu, dando um aspecto espiritual e de certa forma futurista dentro desse universo, sem falar, claro, do tom enigmático. É a primeira vez na temporada que eu sinto a narrativa se movendo sem travas, penso que por conta da estrutura focada em uma única trama. Eu entendo que o universo seja rico, com muitos elementos de lore e personagens variados, mas é normalmente nesses episódios assim que a série consegue ter mais densidade dramática, como, por exemplo, o capítulo de Egwene sofrendo nas mãos de Renna.
A trama central aqui é relativamente simples, apesar da execução soar confusa em seu mergulho profundo no ethos desse universo. Rand passa por um teste que lhe revela o passado, com diferentes contos de seus ancestrais mais importantes, incluindo seu pai – o ator interpreta seus antepassados, com usos variados de maquiagem (algumas artificiais, mas no geral um trabalho competente), no que é um desafio interessante e um exercício visual curioso. Cada bloco traz contexto para a atual configuração da guerra e das mudanças que a nação Aiel passou, de serventes das Aes Sedai, pacifistas protetores de um artefato, perjuradores da promessa de não violência, até a nação guerreira atual. Para quem goste de mitologia – como eu! – é um processo que envolve bem a audiência, em especial pela forma que a narrativa não faz desvios para outras tramas. Confesso que ainda fico perdido com alguns elementos de lore, principalmente no que tange aos artefatos – a série ainda não encontrou a melhor forma de criar interesse e importância nessas questões, como o péssimo trabalho com a Trombeta de Valere -, mas, de maneira geral, é tudo bem didático, com bom ritmo se ainda meio corrido, e com tópicos sobre mudanças ao longo da História, tradições se alterando dependendo de certo contextos sociais e um aprofundamento razoável no povo Aiel.
Não acho nada exatamente brilhante como, aparentemente, uma boa parcela tem achado, mas é certamente uma narrativa competente. Seu maior destaque seja o desenvolvimento de Rand, uma peça de grande importância no quadro geral do conflito da série, mas que, até aqui, não convenceu. Então é interessante ver um arco do dragão encontrando a si mesmo e entendendo esse povo que ele destruir e/ou salvar, no pastiche de Duna hehe. Do lado de Moiraine, as coisas são mais comprimidas, mas bem brutais, com a personagem vendo diversos futuros alternativos, muitos dos quais terminam em tragédia – algumas das sequências aqui, como a Aes Sedai no ar e a montagem vertiginosa de vários ataques, são ótimas. Falta ali um senso de explicação, diferente da jornada de Rand, mas penso que a trajetória de Moiraine trará melhores frutos posteriormente, em especial no seu relacionamento com Lanfear, algoz dela em vários dos cenários futurísticos. Em um episódio que contextualiza e apresenta vários elementos desse universo, O Caminho para a Lança solidifica a mitologia da obra e traz alguns desdobramentos a serem acompanhados de perto.
A Roda do Tempo (The Wheel of Time) – 3X01 a 04: Vencer a Sombra / Uma Questão Carmesim / Sementes da Sombra / O Caminho para a Lança (3X01 a 04: To Race the Shadow / A Question of Crimson / Seeds of Shadow / The Road to the Spear) – EUA, 2025
Showrunner: Rafe Judkins
Direção: Ciaran Donnelly, Thomas Napper
Roteiro: Rafe Judkins, Justine Juel Gillmer, Katherine B. McKenna, Beverly Okhio (baseado na obra homônima de Robert Jordan)
Elenco: Rosamund Pike, Josha Stradowski, Marcus Rutherford, Zoë Robins, Dónal Finn, Madeleine Madden, Daniel Henney, Fares Fares, Kate Fleetwood, Johann Myers, Hammed Animashaun, Natasha O’Keeffe, Xelia Mendes-Jones
Duração: 04 episódios de aprox. 60-70 min. cada