- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios da série.
O Que Deveria Ser é a convergência de todos os núcleos e subtramas em Famel, a cidade da profecia em que Rand se proclama o Dragão Renascido. Em um episódio que fala muito sobre destino, os jovens de Dois Rios encontram suas sinas e propósitos em meio a uma batalha contra o mal. É uma conclusão caótica muito similar a Damane, em que os defeitos do seriado se manifestam em um clímax divertido que perde força por seus grandes momentos não terem sido devidamente construídos ao logo da temporada. Esta é, literalmente, a mesma crítica que fiz em O Olho do Mundo, mostrando o problemas crônicos do showrunner Rafe Judkins.
Não quero fazer comparações, mas muitas obras de fantasia (e de outros gêneros também) usam esse artifício de fazer uma conclusão em grande escala que converge várias tramas num grande conflito armado contra as forças sombrias. É difícil não pensar aqui na chegada de Gandalf ou no exército dos mortos com Aragorn (sim, sou fã de O Senhor dos Anéis). A questão é que esses momentos só ganham dimensão pela jornada até ali, nossa conexão com esses personagens, nosso envolvimento com a mitologia e nosso entusiasmo com elementos fantasiosos que foram sendo indicados durante a aventura.
Isso não acontece aqui, com uma série de exemplos. A Trombeta de Valere vem à mente, por se tratar de um elemento místico jogado em um diálogo ou outro dos episódios sem grande importância, ganhando um momento carismático e simbolicamente interessante, mas sem impacto dramático e muito menos sem a dimensão de triunfo que a direção tenta passar. O fato de ser Mat a tocá-la diminui a grandiosidade da cena, uma vez que o personagem ganhou uma dúzia de cenas nos oito episódios e praticamente zero desenvolvimento. Ainda sobre ele, o que foi aquela saída do roteiro com a transformação da faca em lança? Que artifício mais safado e sem sentido, que além de bobo, reduz ainda mais a presença de Padan Fain, outro coadjuvante que parece perdido na história.
Falando em coadjuvantes perdidos, os mantos-brancos têm uma presença central na batalha, mas é mais um grupo que vimos pouco para tirarmos substância de momentos teoricamente importantes, como a morte do general. O mesmo vale para a morte do lobo que vinha acompanhando Perrin, já que tivemos umas três cenas com o animal durante a temporada. E o que dizer de Nynaeve, que começa o episódio fazendo nada e termina sem ter feito alguma coisa… Acho que já entenderam meu problema principal, né? O maior agravante é, claro, o próprio Rand, o escolhido e o herói dessa história que não tem qualquer personalidade e que passou tanto a temporada quanto o episódio sendo manipulado e levado por figuras a sua volta. Notem que até o cumprimento da profecia com o dragão de fogo é obra de Moiraine (!). Sem dúvidas, é uma das piores adaptações de um protagonista que já assisti. O que devemos sentir por esse personagem senão indiferença?
A classificação positiva existe porque algumas finalizações de trama funcionam, com destaque para o arco de Egwene, uma personagem cada vez mais complexa por conta dos eventos ocorrendo a sua volta, em um desfecho com a morte de Renna que tem um impacto dramático e uma recompensa narrativa para a audiência. Também gosto do núcleo de Lan (MVP da série) e Moiraine, com a cena do elo ganhando camadas de ternura que continuam solidificando a evolução dramática do guardião e que enriquecem a Aes Sedai. Além disso, as diversas cenas de ação, os ótimos efeitos especiais, a direção de grande escopo e o tom épico do episódio ainda proporciona uma experiência de qualidade em meio aos tropeços do roteiro e a narrativa corrida.
Se tem algo que aprendi nessas duas temporadas de A Roda do Tempo (e como leitor do primeiro livro) é que a produção tenta condensar muito material em pouco tempo, o que é ainda agravado por episódios que trazem quase nenhuma progressão, como a trinca de abertura da temporada. Consigo ver qualidade temática e dramática por trás de muitas escolhas equivocadas, como uma discussão pertinente sobre diferentes facetas do mal com os objetivos de Ishamael, o plano de Lanfear e as ideologias dos mantos-brancos desviando a história do maniqueísmo, algo que também vemos na representação moral que envolve as escolhas difíceis dos grupo principal. Infelizmente, nada disso ganhou aprofundamento suficiente para que o clímax da temporada fosse tão glorioso quanto a produção quer vender, mas não é um desfecho ruim… só bagunçado.
A Roda do Tempo (The Wheel of Time) – 2X08: What Was Meant to Be (EUA, 06 de outubro de 2023)
Showrunner: Rafe Judkins
Direção: Sanaa Hamri
Roteiro: Rafe Judkins, Timothy Earle (baseado na obra homônima de Robert Jordan)
Elenco: Rosamund Pike, Josha Stradowski, Marcus Rutherford, Zoë Robins, Dónal Finn, Madeleine Madden, Daniel Henney, Fares Fares, Kate Fleetwood, Johann Myers, Hammed Animashaun, Álvaro Morte, Natasha O’Keeffe, Xelia Mendes-Jones
Duração: 65 min.