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Crítica | A Princesa das Ostras

Aparências e rebeldias.

por Luiz Santiago
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A Princesa das Ostras é uma comédia de costumes ao mesmo tempo caótica, irônica e profundamente reveladora sobre os jogos de poder e identidade que moldam as dinâmicas sociais. A história, centrada em um magnata das ostras que tenta adquirir um marido para sua filha de forma tão prática quanto compraria um barril de champanhe, se desdobra como uma deliciosa sátira que oscila entre o caricatural e o filosófico. Logo nos primeiros minutos, somos apresentados a um universo onde o excesso é normalizado, a estereotipia de um mundo onde riqueza, status e identidade se misturam num coquetel hilário de excessos (a mansão colossal, a filha destruindo a casa, o pai cercado de empregados para tudo). E é justamente nesse excesso que Ernst Lubitsch encontra espaço para tecer sua crítica às hierarquias estruturais da República de Weimar.

Ossi Oswalda, como a “princesa das ostras”, domina a narrativa com sua presença enérgica, criando uma figura feminina que está longe de ser passiva ou subjugada pelos homens ao seu redor. Ela encarna a filha mimada que, ainda que cercada de luxo e privilégios, quer algo mais – algo que seu pai tenta providenciar de maneira absurda, ao comprar um noivo que se diz príncipe, mas que é tão falso quanto a promessa de uma união perfeita baseada em aparências. Lubitsch brinca com essa inversão de papéis e expectativas, colocando homens que transitam entre o bobo e o conquistador, enquanto Ossi é a figura central que move a trama com sua personalidade dominante e, ironicamente, mais pragmática do que qualquer outro personagem. É curioso como o filme, com seu tom leve e cômico, explora questões de poder de gênero de forma tão sutil e subversiva (é uma obra de 1919!), colocando a mulher no centro da ação e, ao mesmo tempo, zombando das fragilidades masculinas que se escondem por trás das máscaras de autoridade.

A sequência do foxtrote é, sem dúvida, o ápice da obra, um balé caótico que sintetiza a essência do filme: o absurdo organizado. Lubitsch transforma um salão de dança em um espetáculo de ritmo frenético, com cada personagem e figurante desempenhando papéis coreografados com precisão mecânica. O maestro que rebola enquanto rege, o homem que transforma sua serra em um instrumento musical improvisado e o outro que ajusta o ritmo com tapas hilários na orelha de seu parceiro são exemplos brilhantes de como o diretor utiliza o humor físico para criticar a ordem social que, no fundo, é tão absurda quanto os atos que vemos na tela. Essa sequência encapsula a estética da Era do Jazz, onde a energia desordenada e a extravagância das festas refletiam uma sociedade em busca de escapismo em tempos de crise.

Com seus charutos intermináveis e sua alimentação incessante, Mr. Quaker, o Rei das Ostras, se posiciona como uma caricatura perfeita do capitalismo desenfreado, cercado por um séquito de servos negros que servem como um lembrete amargo das desigualdades raciais que persistiam. A presença contrastante de empregados brancos e negros na casa é um detalhe que Lubitsch utiliza para destacar as dinâmicas de poder e raça, enquanto, em outros momentos do filme, o texto explora a tensão entre o velho e o novo mundo, entre a aristocracia europeia decadente e a ascensão dos empresários americanos que começavam a dominar o cenário global. Há, aqui, uma camada crítica mais profunda que zomba das aparências e da busca por validação social ao expor as fissuras nas estruturas de classe.

Mesmo com a intensidade de sua narrativa e as reviravoltas hilárias, A Princesa das Ostras não escapa de certa fragilidade em seu desfecho. O ajuste final da farsa carece da força criativa que permeia o restante do filme, encerrando a história de maneira mais convencional e menos inspirada. Contudo, essa fraqueza não compromete o impacto geral da fita, que continua brilhando como um exemplo da habilidade de Lubitsch em equilibrar o humor pastelão com uma crítica social forte. É interessante notar como, mesmo em seus momentos mais fracos, o filme consegue manter uma coesão temática, reforçando a ideia de que as identidades, assim como os papéis sociais, são construções facilmente subvertidas.

Lubitsch, com seu olhar aguçado e seu senso de humor inimitável, captura a essência da convulsão social que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que celebra a imperfeição humana em toda a sua glória caótica. Ao nos fazer rir das ridículas pretensões e fingimentos de seus personagens, ele nos lembra da vulnerabilidade das relações sociais em um mundo cheio de rótulos, organizações bizarras, julgamentos e bandeiras ideológicas. O riso, aqui, não é apenas uma fuga – é também um jeito de fazer crítica.

A Princesa das Ostras (Die Austernprinzessin) – Alemanha, 1919
Direção: Ernst Lubitsch
Roteiro: Ernst Lubitsch, Hanns Kräly
Elenco: Victor Janson, Ossi Oswalda, Harry Liedtke, Julius Falkenstein, Max Kronert, Curt Bois, Hans Junkermann, Margarete Kupfer, Albert Paulig, Gerhard Ritterband
Duração: 57 min.

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