- Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica sem spoilers da versão cinematográfica e das outras obras da franquia.
A história da Versão do Diretor de A Pequena Loja dos Horrores, longa musical de Frank Oz lançado em 1986, por sua vez baseado no musical off-Broadway de mesmo nome de Howard Ashman, com canções de Alan Menken que é uma adaptação de A Loja dos Horrores, clássico trash de Roger Corman, de 1960, é um belo exemplo do conflito entre arte e comércio, entre visão e dinheiro. E eu digo isso não porque houve conflitos homéricos entre a pegada de Oz e o que a Warner queria do filme, como foi o famoso caso de Terry Gilliam e a Universal Pictures ao redor de Brazil – O Filme, só para citar um exemplo mais ou menos da mesma época, mas sim porque a versão que acabou chegando aos cinemas, fazendo grande sucesso e transformando o filme musical em um sucesso que, com o tempo, ganhou status de cult, é a versão com o final radicalmente alterada, distante não só do longa original, como também do musical de 1982.
Como é prática já de tempos pretéritos em Hollywood, ainda que não uma regra absoluta, filmes em seus estágios finais de produção passam pelo crivo do público em sessões especiais para que seja possível avaliar com mais certeza se a obra será ou não bem recebida. Quando Frank Oz encerrou a produção de sua versão do filme, ele então foi levado a uma destas sessões que, segundo o próprio diretor, funcionou maravilhosamente bem – a julgar pelas reações do público na sala – até o momento em que Audrey (Ellen Greene) é engolida por Audrey II (voz de Levi Stubbs), com a morte de Seymour Krelborn (Rick Moranis) logo em seguida só piorando a coisa toda. Oz pediu uma nova sessão teste e o resultado abissal se repetiu, o que poderia significar que o filme sequer seria lançado ou seria relegado a meia dúzia de telas ou, pior ainda, lançamento direto em vídeo.
Mas Frank Oz e o roteirista Howard Ashman não se deram por vencidos e perceberam que era melhor lançar algo “podado” que viesse ao encontro dos anseios do público e, por extensão, do estúdio, do que ver o enorme – e brilhante – trabalho da equipe ser jogada na lata do lixo. Os dois arregaçaram as mangas, reescreveram o final e o transformaram naquilo que a audiência esperava de um musical: um final desavergonhadamente feliz, ainda que com aquela pontinha de ambiguidade com um “filhote” de Audrey II sendo vista no jardim dos bem casados protagonistas. Esse encerramento do longa nem de longe o estraga, mas, desde que eu o vi no cinema e apesar de ter adorado o musical, nunca realmente o engoli.
O tempo passou, os 23 minutos finais originais chegaram até a serem incluídos em lançamento em DVD do filme em 1998, em uma versão em preto e branco, sem música, sem som e faltando efeitos especiais que irritou tanto David Geffen, que a produtora acabou recolhendo os discos. Somente lá por 2011 é que a Warner tratou de dar tratamento VIP à obra de Oz e reconstruiu o final a partir dos negativos originais, terminando os efeitos e preparando-a para lançar como a “Versão Pretendida”, até que o próprio diretor deu sua bênção a ela, transformando-a na Versão do Diretor ou, como alguns dizem, “Versão Original”, lançada em DVD e Blu-Ray em 2021 (26 anos depois da que foi ao cinema!).
Nela, como já mencionei, não só Audrey e Seymour são mortos por Audrey II, como seus filhotes ganham os EUA e o mundo, com o final apocalíptico dando a entender que o mundo acabou. E, sem maiores delongas – em uma crítica já bem longa, admito – o filme ganhou, finalmente, o fechamento alongado que merecia e que combina mais com toda sua atmosfera em que a ganância, a violência e a pobreza dominam. Audrey, ao morrer, pede para Seymour alimentá-la à planta-monstro de forma que ela, então possa viver sempre perto de seu amor, mas Seymour, desconsolado, decide se matar, só acordando para a realidade sobre Audrey II quando o marketeiro Patrick Martin (Paul Dooley que, nas refilmagens, foi substituído por ninguém menos do que Jim Belushi, já que ele não estava disponível) aparece oferecendo uma fortuna para fazer pequenas Audreys e vender por todo lugar. Seymour tenta matar a planta, falha, é engolido e, em seguida, o espectador é brindado com 15 minutos de destruição total por plantas gigantescas que fariam King Kong e Godzilla fugirem apavorados.
Assim como todo o restante do filme, que se mantém intacto, aliás, esse final é carregado de sensacionais efeitos práticos e óticos, só que elevados à décima potência, com os cinco milhões de dólares dedicados só a essa sequência, que também conta com o último número musical, Don’t Feed the Plants, ausente na versão cinematográfica, servindo de fundo sonoro para a destruição geral. O interessante é o “pulo” de escala dramática e que surpreendentemente funciona: de um longa substancialmente passado em uma pequena floricultura com uma planta carnívora falante, há uma metamorfose para o que é basicamente um tokusatsu, só que da mais alta qualidade técnica, algo que é ajudado pela rearrumação e extensão do número Mean Green Mother from Outer Space de forma mais lógica do que na versão dos cinemas.
Frank Oz estava certíssimo em, mesmo chateado, mudar o final original para a versão “melosa” de forma que seu filme pudesse chegar ao público em geral, fizesse então o sucesso perene que fez (teve até uma animação em 1991!), até que ele então pudesse revisitar sua obra para reconstruí-la em toda sua glória. Como disse logo no início, nada como um artista com visão comercial, que sabe quando se dar por vencido, somente para rir por último anos depois.
A Pequena Loja dos Horrores – Versão do Diretor (Little Shop of Horrors: Director’s Cut – EUA, 2012)
Direção: Frank Oz
Roteiro: Howard Ashman (baseado em musical de Howard Ashman e Alan Menke, por sua vez baseado em filme de Roger Corman e Charles B. Griffith)
Elenco: Rick Moranis, Ellen Greene, Vincent Gardenia, Steve Martin, Levi Stubbs, Tichina Arnold, Michelle Weeks, Tisha Campbell, John Candy, Christopher Guest, Bill Murray, Miriam Margolyes, Stanley Jones, Paul Dooley
Marionetistas: Anthony Asbury, Brian Henson, Mak Wilson, Robert Tygner, Sue Dacre, David Barclay, Marcus Clarke, Paul Springer, David Greenaway, Toby Philpott, Michael Bayliss, Michael Barclay, Don Austen, Chris Leith, William Todd-Jones, Terry Lee, Ian Tregonning, John Alexander, Michael Quinn, James Barton, Graham Fletcher
Duração: 113 min.