Parte da coletânea de contos intitulada Galpakalpa, publicada originalmente em 1950, A Pedra Filosofal tornou-se um dos contos mais famosos de Rajshekhar Basu após ser adaptado para o cinema pelo grande diretor Satyajit Ray. Notabilizado por seus contos cômicos e satíricos, Basu construiu uma carreira literária sob grande admiração do público e da crítica bengalis, falando constantemente sobre o cotidiano das pessoas simples, sobre as surpresas na vida dos mais diversos grupos de trabalhadores e sobre as variadas formas de tentar vencer um obstáculo social.
Neste Parash Pathar, o autor começa sua narrativa com um diálogo metalinguístico, brincando com o leitor sobre o acontecimento maravilhoso já indicado no título da obra: “Paresh Babu encontrou a Pedra Filosofal. Quando ele a encontrou? Onde ele a encontrou? Onde você pode conseguir uma? Vamos lá, pare de fazer tantas perguntas…“. Essa leveza nas primeiras palavras do conto ajuda a preparar eficientemente todo o cenário para os “milagres” que a pedra filosofal pode fazer. Sem se preocupar em explicar o inexplicável — embora ironize isso diversas vezes durante a narrativa, quando inúmeros cientistas tentam dar uma explicação para a enorme quantidade de outro conseguida por Paresh Babu –, o autor nos faz prestar atenção na reação do personagem após o recebimento dessa “bênção divina” e como a sua vida muda completamente a partir de então.
De um simples advogado de sua região para um dos homens mais ricos do mundo, tendo a seu serviço seguranças do povo Gurkha e preocupações com ameaças de morte, Babu também vê os seus valores e o seu comportamento se alterar; ou ganhar uma faceta que ainda não conhecera a luz. Mesmo que ele tema em utilizar a pedra para transformar tudo em ouro e chamar a atenção das pessoas, chega um momento da trama em que essa preocupação desaparece e a vida de Babu resume-se a fugir dos clamores que todos — de mulheres interesseiras a grandes chefes de Estado.
Rajshekhar Basu reflete aqui sobre o poder do dinheiro em diversos aspectos. Primeiro, a transformação moral e ética que causa aos indivíduos, fazendo com que um homem honesto passe a se comportar de maneira criminosa, subornando pessoas para conseguir o que quer. Depois, vemos como o uso indiscriminado dessa riqueza muda a economia local e, em pouco tempo, também a economia global. A perspectiva do texto passa de um cotidiano ordinário para um olhar verdadeiramente Universal, onde os problemas sociais, os anseios políticos, os sonhos científicos e as necessidades de distintos grupos se voltam para esse homem que pouco sabe, mas que é solicitado para dar opinião sobre absolutamente tudo… só porque é impossivelmente rico (me lembrou até um trechinho de If I Were A Rich Man, do musical Um Violinista no Telhado).
O final da história segue a linha irônica do autor, mas é demasiadamente simples para o nível de complexidade e alcance das ações do protagonista até aquele momento. O que o jovem funcionário de Babu faz e a explicação para o que ocorre com a pedra filosofal termina parecendo uma escolha apressada, para a qual o autor lança mão a fim de dar conta de um problema insolúvel. A grande questão é: tão misteriosamente como aparecera na vida do protagonista, a pedra filosofal poderia ter desaparecido. Mas o autor resolveu brincar um pouco mais com o objeto, dando-lhe uma “morte”… digamos… orgânica. E o mais interessante é que a nova face de Babu, aquela adquirida em sua vida de homem rico, não é retirada dele como uma máscara inconveniente — essa, inclusive, é uma das importantes diferenças em relação ao filme –, mas permanece lá, ajudando-o a manter-se no topo, mesmo sem a milagrosa ajuda. Babu é um novo homem. Alguém que o dinheiro transformou em algo que nem um escândalo e nem a extinção da fonte inicial de sua riqueza puderam apagar.
A Pedra Filosofal (পরশ পাথর / Parash Pathar) — Índia, 1950
Publicação original: Galpakalpa (গল্পকল্প)
Autor: Rajshekhar Basu (Parashuram)
Tradução (para o inglês): Bhaskar Chattopadhyay
Editora: Harper Perennial (2014)
19 páginas