Terceiro longa-metragem (e segunda ficção) do diretor Pushpendra Singh, A Pastora e as Sete Canções segue muito de perto a abordagem que o cineasta fez em sua estreia, Lajwanti (2014), onde trabalhava, em forma de conto, a história de uma mulher casada envolvida em uma situação de honra e busca por liberdade. No presente caso, estamos diante de um roteiro original, escrito pelo próprio diretor, que coloca no centro uma bela e recém-casada jovem chamada Laila (Navjot Randhawa) num conflito interno que extravasa para as suas relações sociais mais próximas.
O filme tem uma divisão em pequenos temas escritos na tela e cada um deles traz uma canção folclórica da região, reforçando o assunto principal trabalhado naquele bloco. Dessa forma, a relação de Laila com o marido, com a migração e o guarda da região misturam-se em uma situação que envolve os votos da mulher para com o esposo, a morosidade dos dias rotineiros nas montanhas e uma ânsia que nela cresce, empurrando-a cada vez mais para os braços onde não deveria estar e para uma vida livre de obrigações matrimoniais e sociais.
Essa dissociação da protagonista com os elementos culturais à sua volta é visualmente explorada pelo diretor através de uma abordagem alegórica para a flora, fauna e geografia física. A cada nova canção, um animal, espaço geográfico ou de vegetação ganha destaque, e neles vemos Laila focar sua atenção e energias, enquanto à noite precisa atender aos desejos sexuais do marido, mesmo quando não quer. Pela ação final da personagem, podemos pensar em algum tipo de liberdade final, de integração dessa mulher com a natureza à sua volta, tirando suas roupas como a cobra que trocou de pele e que tanto lhe chamou a atenção.
A libertação e a forma simbólica e poética como é representada recebe a atribuição de “conto de fadas feminista” e é bem por esse caminho que o espectador vê o resultado final de todo um processo de vivências, desejos e certo silenciamento da personagem, seja pelo marido, seja por outra mulher, clamando motivos tradicionais: lembremos da cena em que Laila, grávida, canta uma canção de amor frustrado e sua sogra a adverte, dizendo que ela está cantando a canção errada. O diretor nos faz ver as diferentes formas de cada personagem viver e enxergar a vida, com isso sendo refletido em sua maior ou menor tolerância para com as regras daquela sociedade e os papéis que precisa cumprir.
O desconforto de uma mulher é trabalhado aqui em A Pastora e as Sete Canções como um caminho de maturidade e de encorajamento. A câmera que investiga a natureza, sua renovação e integração com o homem, deixa clara a relação entre nascimento, amadurecimento, envelhecimento e morte, como também destaca a fertilidade que pulsa em Laila, reforçada pelos animais à sua volta (o touro no cio, a ovelha parindo): uma força feminina que a destaca não só pela beleza, mas pela atitude. E é justamente essa força que faz com que ela quebre os grilhões que a prendiam àquela vida, deixe suas roupas (a pela metafórica) para trás e se torne a força vital no único momento do filme onde a vida, em todo o território, está morta ou adormecida. Para a natureza, é o inverno. Para Laila, é uma perfeita primavera interior. O seu momento de renovação.
A Pastora e as Sete Canções (Laila Aur Satt Geet) — Índia, 2020
Direção: Pushpendra Singh
Roteiro: Pushpendra Singh
Elenco: Shahnawaz Bhat, Sadakkit Bijran, Ranjit Khajuria, Navjot Randhawa, Mohammed Yassen
Duração: 96 min.