Como o próprio título indica, A Outra História Americana busca contar uma narrativa alternativa dos Estados Unidos da América. Não sobre os grandes fenômenos sociopolíticos deste país, mas sobre algumas instituições a partir da perspectiva de microcosmos individuais. Daí um foco na individualidade como agente deste cenário, uma individualidade raivosa e ressentida cujo movimento se dá em reação ao cenário macrocósmico da qual as minorias aparecem para o desgosto de parte da maioria. A análise desse microcosmo opera através de convenções sociais — a família, o trabalho, a comunidade -, que são o germe do racismo ou têm sua ordem supostamente perturbada pela presença do outro. Assim, há o segundo lado da história americana; não por códigos formais ou grandes acontecimentos, mas por sujeitos aleatórios e seus sentimentos.
A narrativa do filme é não-linear, o que é um grande acerto, trabalhando bem a complexidade da história no modo como os personagens se conectam (Derek e Danny, Danny e os funcionários de sua escola) e nas mudanças entre eles (o abandono do racismo dos irmãos-protagonistas). Apesar dos flashbacks em que a trama principal é desenrolada partirem da memória de Danny, é Derek o seu protagonista — interpretado de forma demoníaca por Edward Norton -, tendo momentos vivenciados por ele além do que foi visto por Danny. No desenvolvimento desses flashbacks, o racismo de Derek começa a se regenerar, o que se estende quando o filme retorna ao presente. Até o protagonista começar a rever suas posições, os flashbacks funcionam como um contraponto ao que Derek é hoje. Dessas duas formas, a montagem de alternâncias aplicada aqui funciona para expor de maneira dialética os vários perfis de Derek, deixando a narrativa mais estimulante do que seria uma exposição gradual de sua psicologia.
O uso do preto-e-branco sempre e somente nos flashbacks ressalta esse teor comparativo, e coloca o passado de Derek no lugar de onde ele mesmo passou a considerar: como algo obscuro digno de ser menosprezado. O obscuro tem mais a ver com a noção do presente diante do passado, e não desse passado diante de si mesmo. Essa falta de vividez se casa com a brutalidade de várias cenas do filme, que não tem lá muito medo de soar extremamente forte ao retratar a perversidade de seus personagens. O assassinato dos ladrões negros, a invasão ao supermercado, o estupro na prisão; todos estes momentos são completamente explícitos e chocantes, mas também não se encontram tão acima do que é verbalizado aqui. Em A Outra História Americana, percebemos, mais do que a ação, que a palavra e o pensamento são o verdadeiro cerne do problema racial que é tão gráfico nesta obra.
E é através da verbalização explícita — colocada muitas vezes através de monólogos — que o filme transparece o seu discurso de ser uma segunda história dos Estados Unidos. Vemos isso nas passagens que buscam capturar a origem do ódio de Derek: quando seu pai trata com desprezo o povo negro num jantar, e quando, numa reportagem sobre o assassinato dele baleado por um negro, Derek reproduz o racismo apreendido e conecta ele à recente morte de seu pai. São momentos nem um pouco sutis que, talvez, possam soar escancarados demais para alguns, mas que servem para expor as origens individualistas do racismo, que se encontram principalmente no ressentimento.
Esse ressentimento, dentro da ótica do filme, é o ponto chave para o racismo. Ele é, ao mesmo tempo, algo sentimental e que busca certa racionalidade, pois há constantemente a busca para justificá-lo através de argumentos — imigrantes tomando espaço, violência etc. Tal tipo de abordagem também é vista nitidamente nos momentos de Derek com o seu grupo, colocando todo aquele bando de neonazistas apenas como pessoas complexadas, mentes disfuncionais que convertem frustrações em ódio. Tudo isso pode ser uma visão bastante problematizadora para alguns espectadores, pois ela trata, inegavelmente, apenas de uma parte do racismo.
Ora, seria mesmo o racismo apenas uma expressão catártica de pessoas que formulam teses sociais através de profundas questões sentimentais? É este o foco do longa, o racismo caloroso tanto na sua fonte (os sentimentos) quanto nos seus efeitos (grandes atos de violência). No entanto, até há um contraponto a essa abordagem ao tratar o racismo como uma manifestação mais fria e sutil, que é quando Derek fica sabendo da pena de um colega seu. Derek, branco, pegou 3 anos de prisão por matar um negro e ferir outro; já este colega, negro, recebeu 6 anos pelo roubo de uma televisão — segundo ele, a deixou cair, o que foi estranhamente caracterizado como agressão.
É uma grande pena que a inexperiência do diretor Tony Kaye seja tão visível aqui. Sendo seu primeiro filme, o diretor peca ao constantemente fazer uso de slow motion em instantes de forte tensão, fazendo com que o impacto seja substituído pela sensação de constrangimento. Essa lentidão da decupagem em passagens de drama e ação só levam à tosquice numa obra tão sombria e séria como esta. No entanto, este aspecto sombrio e sério não pode nos levar a encarar A Outra História Americana somente como mero discurso social e moral. Trata-se, para além de monólogos e certo didatismo, de uma experiência chocante que trabalha os nervos do espectador com uma brutalidade que precisamos ver.
American History X (EUA, 1998)
Direção: Tony Kaye
Roteiro: David McKenna
Elenco: Edward Norton, Edward Furlong, Beverly D’Angelo, Avery Brooks, Jennifer Lien, Ethan Suplee, Stacy Keach, Fairuza Balk, Elliott Gould, Guy Torry, Paul Le Mat
Duração: 119 min.