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Crítica | A Órfã (2009)

por Leonardo Campos
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A Órfã

  • Contém SPOILERS!

Há algo errado com Esther. Assim o cartaz de divulgação do aterrorizante A Órfã nos apresentava ao filme que na ocasião de seu lançamento em 2009, me surpreendeu, e não foi por pela sua manobra brusca no desfecho, mas pela construção de uma atmosfera de horror genuíno ao longo dos seus 123 minutos de duração. Dirigido por Jaume Collet-Serra e escrito pela dupla formada por David Johnson e Alex Mace, a produção nos apresenta ao cotidiano de um casal aparentemente feliz, habitantes de uma moradia sofisticada e com dois filhos que provém de tudo do bom e do melhor que a vida material pode fornecer, além do carinho de pais amorosos e preocupados com os pormenores da existência de cada um deles. É um lar feliz, mas também cheio de coisas não ditas, situações quase trágicas de um passado não muito distante que na superfície estão resolvidas, mas soterradas nas bases de um grupo de pessoas que deseja esquecer qualquer instância traumática e levar os seus dias com mais leveza e tranquilidade.

O casal protagonista é Kate (Vera Farmiga) e John (Peter Sarsgaard), dupla com desempenho dramático excepcional, ideais para compor a proposta narrativa do filme. John é um homem pacífico, atencioso, atento ao que é necessidade para as questões físicas e emocionais da casa. Kate é uma professora de música de Yale que atualmente está afastada das atividades por causa de problemas envolvendo uma série de questões delicadas, em especial, o alcoolismo que a fez ser momentaneamente irresponsável e quase deixar um de seus filhos morrer afogado por um momento de descuido. Além disso, ela ainda atravessa o luto relativamente recente. Perdeu o bebê num aborto indesejado e se culpa pelo acontecimento, situação que pede a presença de um terapeuta como parte de sua rotina semanal. Pelos fatos mencionados, todos são bastante pacientes com a jovem mulher, mas ficam atentos e desconfiados de cada um de seus passos, algo que conforme a dinâmica do filme avança, torna cada vez mais complicado que as pessoas acreditem nas coisas que ela menciona, palavras de desespero tidas como paranoia.

Antes de continuar, no entanto, creio ser importante traçar um panorama para compreensão das motivações para um novo momento conflituoso para Kate. Após algumas conversas com o marido, eles resolvem adotar uma nova criança. A casa que já tem a adorável Alex (Aryana Engineer) e o pequeno e esperto Daniel (Jimmy Bennet). Agora é a hora de aguardar a chegada de Esther (Isabelle Fuhrman), garota russa de hábitos peculiares que logo chamou à atenção do casal quando visitaram o orfanato. Ela se apresenta como um doce de menina. Cantarola bem, toca piano e arrisca clássicos eruditos no teclado, pinta divinamente e tem outras características brilhantes que encantam, em especial, John. Logo, ela é adotada, mas após a chegada de Esther, diversas situações estranhas deixam Kate preocupada e não demora para a garota estabelecer um reinador de medo, morte e sangue. E, manipuladora, criar situações que depõem contra a mãe adotiva, haja vista o seu aparente desejo de ter o pai somente para ela.

Assim é A Órfã. Com eficiente direção de fotografia de Jeff Curter, meticuloso nas cenas noturnas e funcional quando o horror precisa se estabelecer em passagens diurnas, onde geralmente outras pessoas estão por perto para testemunhar as atitudes tenebrosas de Esther, a produção também conta com uma trilha sonora atmosférica, conduzida por John Ottman num momento de bastante inspiração. Nos figurinos, Antoinette Messam constrói os perfis de Esther e Kate com trajes que definem bem as necessidades dramáticas de cada personagem, da esfuziante e falsária garota aos tons pálidos e fechados da figura ficcional melancólica de Vera Farmiga, uma força motriz no desenvolvimento deste clássico do horror moderno. Outro ponto estético positivo é o design de produção de Tom Meyer, em especial, um dos setores gerenciados pelo profissional, a cenografia de Daniel Hamelin, erguida por meio de espaços labirínticos, com bastante vidro e outros elementos que não desenham apenas a luxuosa moradia da família, mas também destacam o potencial de algumas passagens mais tensas, edificadas nos cenários tão perigosos quanto a misteriosa e diabólica Esther, um pequeno monstro de perversas intenções.

Com a chegada e permanência da menina, um carro desgoverna e desce a ladeira, quase matando um personagem chave para a história, uma freira do orfanato é assassinada violentamente com marteladas, uma criança sofre um terrível acidente em um brinquedo de um parque e outras desgraças vão acumulando o feixe de acontecimentos bizarros e assustadores que apenas Kate e, em alguns momentos, Daniel, consegue perceber. O filme tem clichês? Sim, mas funcionam e nós gostamos muito, pois o resultado é ótimo. O clímax é efusivo, as reviravoltas são bastante intensas, mas a narrativa pavimenta bem essa trajetória e não faz com que sintamos aquele mal-estar de lidar com um filme que depende de algo tenebrosamente absurdo e escabroso para chocar e justificar a sua qualidade. E, sim, Esther pode ser enquadrada no panorama de mulheres fatais do cinema, não pela sensualidade, mas por seu alto grau de periculosidade. Se ela deseja anular a mãe como já fez em outras situações anteriores, para assumir o lugar sexual na matriarca na vida do casal, o arquétipo noir fatal, salvaguardas as devidas proporções, está sim em funcionamento na história.

Ah, sim, escrevi como se o leitor já conhecesse toda a história. Levo em conta o fato de A Órfã ser bastante popular e comentado por pessoas que amaram/odiaram. Esther, como descobriremos, não é uma criança, mas uma mulher russa que sofre de um raro caso de nanismo que a faz ter estatura infantil, mesmo sendo adulta. Em outros momentos anteriores ao desenvolvimento do tempo narrativo do filme, ela aniquilou outras famílias e tentou fazer o mesmo com a casa de Kate e John Coleman. Mas foi descoberta. Há um desnecessário segundo filme em vias de produção. Será que tem algo realmente interessante para contar?

A Órfã (Orphan, EUA – 2009) A Órfã
Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: David Leslie, Johnson-McGoldrick, Alex Mace
Elenco: Vera Farmiga, Peter Sarsgaard, Isabelle Fuhrman, CCH Pounder, Jimmy Bennett, Margo Martindale, Karel Roden, Aryana Engineer, Rosemary Dunsmore, Jamie Young, Lorry Ayers, Brendan Wall
Duração: 123 min

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