Uma pergunta, à priori, esclarecedora: por qual motivo o filme se chama A Noiva de Frankenstein? A Universal recusou diversas propostas estapafúrdias para uma continuação e preferiu lançar um filme com este título cheio de possibilidades, tornando-se responsável pela confusão acerca do nome do cientista criador e do seu monstro. Lembre-se: Frankenstein é o criador, não a criatura, apesar de toda a construção errônea por parte de muitos leitores e espectadores. Apesar de a noiva ser uma criação do cientista, juntamente com outro “doutor estranho”, a tal figura feminina foi criada para ser a companheira do monstro solitário. Eis as devidas explicações: Dr. Henry Frankenstein (Colin Clive) e o seu monstro (Boris Karloff) voltam a se encontrar, pois diferente do que todos nós que assistimos imaginávamos, a criatura não morreu diante dos conflitos no incêndio do moinho de vento que demarcou o desfecho trágico de Frankenstein, o antecessor de 1931. A Noiva de Frankenstein foi um dos primeiros filmes a explorar a ideia de uma sequência que não apenas continuava a história, mas também expandia e aprofundava o universo original. A trama proporciona um desenvolvimento significativo dos personagens quando comparamos as figuras ficcionais planas do antecessor, especialmente do monstro, que ganha nuances e complexidade, transformando-o de uma mera criatura assustadora em uma figura trágica e empática.
Dirigido por James Whale, com roteiro assinado por William Hurlbut, A Noiva de Frankenstein é um clássico absoluto do cinema de horror e uma das pérolas da Era de Ouro da Universal. Quase 100 anos depois do seu lançamento, ainda funciona, tamanha a atualidade de algumas discussões, além do apelo popular e da criatividade de seus realizadores. Ganhou uma sequência, O Filho de Frankenstein, bem como uma refilmagem intitulada A Prometida, lançada em 1985, além do destaque em algumas passagens metalinguísticas da cinebiografia de James Whale, Deuses e Monstros, uma obra-prima lançada em 1998, dirigida e escrita por Bill Condon. Ao longo de seus 71 minutos, o clássico possui diversas cenas antológicas, mas nenhuma delas é mais impactante que a convicção do personagem monstruoso acerca da sua condição desumana: “nós pertencemos aos mortos”, afirma, deixando cair uma lágrima antes de “dizimar” a vida de todos os presentes em cena, num desempenho dramático forte e emocionante.
Voltemos, por questões situacionais, ao preâmbulo de tudo. O filme começa com a escritora Mary Shelley (Elsa Lanchester) e o seu marido Percy (Douglas Walton) numa conversa literária com ninguém menos que Lord Byron (Gavin Gordon). Os diálogos gravitam em torno do final do romance Frankenstein, clássico da autora. Próximos ao calor da lareira, eles discutem acerca do destino do personagem e de quão insólita é a situação. Vale lembrar que essa é a busca de uma aproximação maior com o legado da escritora britânica, por isso, os realizadores resolveram inserir uma perspectiva de tradução livre para a famosa noite de tempestades na Vila Diodati. Em resumo: conta a história que os escritores, juntamente com John Polidori, médico de Byron, se encontravam reunidos no local e contavam histórias de terror. Um concurso foi estabelecido. Cada um deveria criar uma história de terror. Somente Shelley conseguiu cumprir o combinado e todo o resto é material para análises biográficas das mencionadas figuras, bem como análises contextuais do movimento romântico inglês.
Logo depois do prólogo, somos informados que o cientista do filme anterior, catalisador de várias tragédias, deseja parar com as suas pesquisas, mas os seus interesses reacendem após receber a visita de Dr. Pretorius (Ernest Thesiger), um homem que cria vidas em seu laboratório, como se estas fossem sementes. Mais uma vez, a ciência e seus desdobramentos éticos como epicentro das situações que culminarão em crises posteriores. O tal doutor insiste que Frankenstein deve criar uma companheira para o monstro. Após uma tempestade e uma ocorrência envolvendo descargas elétricas, a mulher é concebida. O monstro, mais uma vez, é alvo de conflitos de relacionamentos, tamanha a sua característica estranha, monstruosa, pouco aceitável. Interessante que a perspectiva da noiva é algo solicitado pelo monstro no romance de Mary Shelley, mas não chega a acontecer. Os realizadores da Universal, conscientes do potencial dessa brecha para garantir mais um sucesso de bilheteria, realizam os devidos ajustes e entregaram essa sequência considerada por muitos como superior ao seu antecessor.
Um aspecto relevante do filme é sua crítica social subjacente, especialmente em relação ao papel da ciência e da criação em uma sociedade que muitas vezes teme o que não compreende. A figura de Henry Frankenstein, interpretado por Colin Clive, simboliza o cientista ambicioso que, ao ultrapassar os limites da natureza, descobre que suas criações geram consequências inimagináveis. O filme provoca uma discussão sobre a responsabilidade ética dos criadores, um tema que continua a ressoar fortemente na sociedade contemporânea. Foi uma provocação de Shelley lá em 1818, na primeira edição do romance, assunto que ganhou destaque nas traduções para teatro, cinema e outros suportes, e ainda continua sendo relevante no contemporâneo. Com personagens memoráveis, um roteiro habilidoso e uma direção visionária, James Whale não apenas expandiu a frágil estrutura dramática de antecessor de 1931, mas também deixou um legado duradouro que influenciou gerações de cineastas e continua a capturar a imaginação do público. No documentário Criando a Noiva de Frankenstein, dirigido por David J. Skal, parte integrante dessa sequência de reflexões sobre Frankenstein, conhecemos a quantidade de realizadores atuais que alegam a inspiração no clássico para os seus afazeres cinematográficos.
Ademais, na época, foi um filme conhecido por seus efeitos especiais inovadores e cenários elaborados que criaram uma atmosfera única e estilizada. As técnicas de iluminação expressionistas e o uso de ângulos de câmera peculiares reforçaram o clima gótico e sombrio, influenciando a estética visual do gênero de terror por décadas. Ganhou notoriedade também por abordar temas profundos como a criação e a ética científica, a solidão e a necessidade de pertencimento, além das consequências da ambição descontrolada. Esses elementos oferecem uma reflexão sobre a condição humana e as implicações morais da ciência, temas que continuam relevantes até hoje. A introdução da Noiva nesse universo, numa adequada interpretação de Elsa Lanchester, trouxe uma nova dimensão ao mito de Frankenstein no cinema. A sua breve aparição marcou profundamente a cultura popular e se tornou um ícone de estilo e caracterização no cinema de horror. Não é a toa que a imagem da Noiva de Frankenstein tornou-se uma referência recorrente em diversos meios, desde filmes e programas de TV até quadrinhos e música.
Para finalizar, no que tange aos aspectos da sua composição visual, A Noiva de Frankenstein não fica devendo aos filmes contemporâneos e os seus excessos, tendo nos efeitos especiais de miniaturização um ponto bastante positivo, numa época em que o cinema ainda atravessava uma fase de entendimento de suas possibilidades, evoluindo concomitante ao processo de composições de narrativas, como em experimentos. A cada avanço, novas descobertas e aplicabilidades. Mais presente que em seu antecessor, a trilha sonora de Franz Waxman ajuda na construção da atmosfera, tal como a direção de fotografia de John J. Mescall, setor que trabalhou na proposta de Whale de acentuar cores vermelhas na maquiagem e paletas mais quentes na luz, para concepção de imagens esteticamente diferenciadas numa era ainda em preto e branco. O design de produção de Charles D. Hall e os figurinos icônicos de Vera West são pontos positivos adicionais, responsáveis por estruturar a atmosfera gótica do texto dramático.
Em linhas gerais, um bom filme. E, sim, melhor que seu antecessor.
A Noiva de Frankenstein (The Bride of Frankenstein) – EUA /1935
Direção: James Whale
Roteiro: John L. Balderston, William Hurlbut
Elenco: Boris Karloff, Colin Clive, Valerie Hobson, Ernest Thesiger, Una O’Connor, Elsa Lanchester, E. E. Clive, Dwight Frye, P. Heggie, Anne Darling, Douglas Walton, Gavin Gordon, Neil Fitzgerald, Reginald Barlow, Mary Gordon, Ted Billings, Lucien Prival, John Carradine, Maurice Black, Billy Barty, Norman Ainsley, Joan Woodbury, Arthur S. Byron, Josephine McKim, Kansas DeForrest, Peter Shaw, Walter Brennan, Helen Parrish
Duração: 79 min.