Os coelhos são animais tão fofinhos, como transforma-los em feras monstruosas? Essa foi a minha pergunta ao me deparar com A Noite dos Coelhos, horror ecológico de 1972, dirigido por William F. Claxton e protagonizado por um elenco que trazia Janeth Leigh como uma das personagens protagonistas. Na trama, coelhos geneticamente modificados criados após uma experiência laboratorial que não deu certo tornam-se criaturas gigantescas, com um apetite ainda mais voraz que o habitual e com doses generosas de raiva, prontos para o ataque contra os humanos incautos. Única participação expressiva dos animais no cinema de horror, a produção inspirada na novela de Russell Braddon, publicada em 1964, transformada em texto dramático por Don Holliday e Gene R. Kearney, responsáveis pela adaptação de 88 minutos, repleta de momentos involuntariamente engraçados, tamanha a carga absurda do argumento. Os realizadores, por sinal, levam o filme bastante à sério, o que prejudica o seu desenvolvimento em diversos aspectos, talvez mais interessante se assumidamente sarcástico.
No ponto de partida literário, o horror se manifesta na Austrália. Já o filme, leva o problema para o sul dos Estados Unidos, especificamente, no Arizona. Com narração estilo falso documentário, a produção abre com uma declaração sobre pragas de coelhos na Nova Zelândia e na Austrália, crise também estabelecida no norte do continente americano, problema ainda mais delineado depois que um fazendeiro sofre um incêndio em sua propriedade e um grande grupo de coelhos escapam, causando transtornos na região. Com o caos na agricultura e consequentemente, na economia, os coelhos se transformam num problema de calamidade pública e as autoridades cabíveis entram com ações para a resolução. O fazendeiro Cole Hillman (Rory Calloun) e o reitor Elgin Clark (DeForest Kelley) decidem contratar dois pesquisadores, Gerry (Leigh) e Roy (Stuart Whitman), cientistas que juntos, pretendem injetar hormônios nos animais e promover a modificação sexual para evitar a continuidade na procriação. Os conflitos ganham uma curva mais sinuosa depois que a filha do casal troca o coelho dos testes laboratoriais e o perde.
Agora, os coelhos estão transformados e o projeto da experiência ganhou novos contornos, principalmente depois que uma jovem testemunha um cadáver sendo fonte de alimento para um animal da espécie, primeiro de muitos ataques envolvendo esses bichos que em A Noite dos Coelhos, não possuem nada de fofo e agradável, ao contrário, são monstros aberrantes e sanguinários. Interessante observar que apesar do filme ser um claro exemplar do subgênero horror ecológico, os realizadores investiram numa atmosfera western para a composição narrativa, algo que me lembrou bastante o clima do posterior O Ataque dos Vermes Malditos. O design de produção de Stan Jolley, com casas de madeira, situadas numa paisagem desértica e com alguns personagens em cavalos criam essa sensação que se apresentam como abordagem estética diferencial, distante de centros essencialmente urbanos, em grandes metrópoles. A direção de fotografia de Ted Voigtlander nunca capta os atores e coelhos no mesmo quadro, sempre com truques de sobreposição para dar conta da presença supostamente ameaçadora dos numerosos animais perigosos e mortais. Ainda sobre a estética, a trilha sonora de Jimmie Haskell se entrega aos exageros, tendo em vista a provável necessidade de ampliar a sensação de ameaça dos animais pouco convincentes na seara da visualidade.
Diferente do que geralmente faço com filmes do segmento, deixei para ler coisas sobre estes animais enquanto ameaça aos humanos apenas depois de conferir A Noite dos Coelhos. Diferente de leões, sanguessugas, ursos e outras interações mais estranhas, a relação da humanidade com os coelhos é desde sempre muito tranquila enquanto ameaça física, sendo apenas o comportamento destrutivo dos bichos das variadas espécies o grande problema a ser contornado. Aqui no Brasil temos, por exemplo, os lebrões, animais introduzidos de origem europeia e introduzidos inicialmente na Argentina, depois trazidos para cá em prol da caça esportiva. São coelhos enormes e destrutivos, o horror dos fazendeiros que empreendem em regiões próximas aos ambientes florestais. Sem predadores naturais, essas criaturas de hábitos noturnos causam estragos consideráveis, tanto que na Nova Zelândia, pesquisadores desenvolveram um vírus para dizimar a população de coelhos selvagens, escolha que causou polêmica entre fazendeiros e biólogos, pois enquanto um grupo comemora a ação, o outro considera uma abordagem violenta e macabra, em suma, interesses em conflitos, tal como podemos contemplar no filme. Ademais, trazer o coelho para o cinema e transformá-lo em ameaça é forçar bastante a barra, tal como Roger Corman fez com os caranguejos. É a cultura do excesso que tanto amamos, bizarra em sua concepção, mas não menos divertida, não é mesmo?
Roteiro: Don Holliday, Gene R. Kearney, Russell Braddon
Elenco: Stuart Whitman, Janet Leigh, Rory Calhoun, DeForest Kelley, Paul Fix, Melanie Fullerton, Chris Morrell, Chuck Hayward
Duração: 88 minutos