Basta olhar nas redes sociais para estabelecer a análise: o Brasil é um país muito racista. Diferente dos Estados Unidos e do seu debate mais caloroso, aqui a questão é maquiada por uma agenda de disfarces mais tenebrosa que o movimento Blackface, um dos alvos da crítica deste documentário conduzido de forma didática, mas não menos interessante, um material que exala as celeumas do preconceito racial por todos os poros de seu tecido narrativo.
Oriundo de uma investigação contundente e detalhes da sua memória, o cineasta Joel Zito Araújo traz para a linguagem cinematográfica o material do seu livro homônimo, A Negação do Brasil, editado pela Cosac & Naify, uma referência na seara dos estudos sobre os movimentos intelectuais dos negros em nosso país. Fruto de sua tese de doutorado, o estudo é um profundo e triste retrato do racismo que dominou as telenovelas brasileiras ao longo da história deste suporte narrativo-midiático.
O que antes víamos com ludicidade e afeto, pelo olhar crítico e investigativo de Joel Zito Araújo, torna-se uma denúncia bem realizada. A felicidade no final de A Escrava Isaura, adaptação do romance de Bernardo de Guimarães, com a libertação dos negros por um heroico homem branco; as vilãs negras que conduziam os espectadores ao ódio; as cartas que Zezé Motta recebeu ao trabalhar como par romântico de um galã global; estas são apenas algumas das histórias entre tantas outras cenas humilhantes e deprimentes, ao qual muito dos nossos atores brasileiros negros foram submetidos para conseguir manter-se dentro do esquema de produção.
E para os que acham que o assunto é balela ou parte de uma sociedade “mimizenta”, basta olhar atentamente para a programação televisiva contemporânea, em especial, a aberta, mais especial ainda, a poderosa Rede Globo. Ano passado, acordei sem vontade de causar polêmica, conduzido pela paz e vontade de não ter que levantar bandeira pelo menos por aqueles instantes. Mas a televisão, onipresente tanto na minha quanto em várias residências ao redor deste país, apresentava um personagem parte de um jogo de culinária no programa de Ana Maria Braga, vestido dentro do esquema Blackface, leia-se, com a pele pintada de preto.
Não estou alegando, com esta informação, que o rapaz tenha sido racista, mas no mínimo pouco informado e desorientado por uma equipe que deveria ser mais cuidadosa, pois não é o ato em si, mas o que ele representa. Sabemos que tal atitude nos remete a uma violência simbólica histórica que não deve ser ignorada. O que dizer de Sexo e as Negas, de Miguel Falabella? Interessante por trazer o debate? Sim, mas cheio de estereótipos que não foram bem trabalhados. Acredito, caro Joel Zito Araújo, que em tempos de Big Brother Brasil, seja a hora de A Negação do Brasil 2, o que acha?
Selecionado para diversos festivais internacionais, o documentário fez bastante sucesso no Brasil, principalmente dentro da comunidade acadêmica. Ao longo dos seus 91 minutos, o cineasta dirige muito bem o seu roteiro, montado com o auxílio do editor Adrian Cooper, brilhantemente guiado através dos depoimentos emocionantes de Milton Gonçalves, Maria Ceiça, Zezé Motta, Léa Garcia, Ruth de Souza, etc. Um filme que vai demorar muito tempo para envelhecer, infelizmente.
A Negação do Brasil — Brasil, 2000
Direção: Joel Zito Araújo
Roteiro: Joel Zito Araújo
Elenco: Maria Ceiça, Milton Gonçalves, Ruth de Souza, Zezé Motta, Cléa Simões, Maurício Gonçalves, Nelson Xavier, Walter Avancini, João Acaiabe.
Duração: 91 min