Primeiro longa-metragem de Luigi Bazzoni e único filme dirigido por Franco Rossellini, A Mulher do Lago é uma adaptação da obra de Giovanni Comisso, livro originalmente publicado em 1962. Aqui, acompanhamos o escritor Bernard (Peter Baldwin) chegar a uma cidade com o objetivo de escrever o seu próximo romance. Sua estadia no local é parte de um processo recorrente de escrita, de modo que ele sempre fica no mesmo hotel e conhece relativamente bem o proprietário e as camareiras do local. Ocorre que, desta vez, sua estadia não será igual às outras e Bernard terá muito mais para se preocupar do que com a escrita de seu novo livro.
Bazzoni já consegue mostrar aqui uma identidade ousada e um grande cuidado estético na direção, características que se fariam ver de modo bem mais apurado nos outros dois gialli que ainda dirigiria (Um Dia Negro e Os Passos). Aqui ele parte de algo simples (um telefonema de fim de relacionamento), desconectado da trama principal, e nos leva para um outro cenário, como se estivéssemos saindo de um mundo e entrando em outro, num processo de deslocamento que traz contato com coisas, pessoas e realidade distintas daquelas a que o protagonista está acostumado, linha dramática recorrente em seus outros filmes do gênero.
Aquilo que Bernard nos faz pensar dele, já na primeira cena, é desmentido com certo cinismo em pouco tempo, e é justamente por mostrar uma “paixão secreta” do protagonista que a história ganha uma aura macabra, como se esta paixão platônica e proibida (amor de um escritor-stalker para com sua musa) estivesse aguardando uma nova vítima para dar o bote final. E para ressaltar isso, o diretor nos fornece um mistério gerado pela observação de uma fotografia “polêmica”, unindo a esse mistério algumas desconfianças, olhares suspeitos e boatos da cidade a respeito da morte de Tilde (Virna Lisi), por quem Bernard estava apaixonado.
Se o protagonista começa a mostrar mudanças emocionais a partir do momento em que chega à cidade, essas mudanças se tornam ainda mais graves com o tempo, com ele adoecendo e sendo atormentado por pesadelos, momentos que o diretor aproveita para conectar pontos da narrativa, explicar a morte de Tilde através de uma percepção onírica e inserir Bernard no meio de uma situação macabra da qual ele não consegue sair. A despeito de algumas ameaças à vida do escritor constarem como parte do suspense, não vemos esse perigo tomar uma real ação contra ele, já que a pessoa que comete os crimes tem um alvo e um motivo bem específicos, o que termina por dar encadeamento pouco interessante ao roteiro.
No desfecho, apesar do “simples tratamento de surto” como grande motivador das ações do assassino, a obra ainda consegue sustentar algumas boas características do giallo, fechando de modo quase banal um ciclo de desejo, de perturbações do mundo onírico — muito bem utilizadas como conteúdo narrativo — e complexos de culpa e sublimação dos personagens em torno de Bernard, a quem essa jornada parece servir como um “pesadelo acordado”. A melhor coisa de A Mulher do Lago é mesmo a direção de Bazzoni, com destaque para todas as sequências de sonho (com filmagem e direção de fotografia diferentes do restante do filme), a cena noturna no matadouro e os planos do diretor para o hotel, a casa do pai de Tilde e o lago, visto da janela do quarto do escritor. Um filme visualmente instigante, apesar de o mesmo não ocorrer com a história que nos conta.
A Mulher do Lago (La donna del lago / The Possessed) — Itália, 1965
Direção: Luigi Bazzoni, Franco Rossellini
Roteiro: Franco Rossellini, Luigi Bazzoni, Giulio Questi (baseado na obra de Giovanni Comisso)
Elenco: Peter Baldwin, Salvo Randone, Valentina Cortese, Pia Lindström, Pier Giovanni Anchisi, Ennio Balbo, Anna Maria Gherardi, Bruno Scipioni, Mario Laurentino, Vittorio Duse, Philippe Leroy, Virna Lisi
Duração: 85 min.