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Crítica | A Montanha dos 7 Abutres

por Luiz Santiago
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O fracasso de público e crítica (pasme!) de A Montanha dos 7 Abutres não foram as únicas novidades que Billy Wilder encontrou naquele momento de sua carreira, no início dos anos 50. Ele vinha saltando entre obras icônicas como Pacto de Sangue (1944), Farrapo Humano (1945) e Crepúsculo dos Deuses (1950), mas em nenhum desses casos chegou a acumular posições como fez neste longa de 1951, do qual foi coescritor (tendo aí o peso de uma quebra de parceria com o antigo parceiro Charles Brackett), produtor e diretor. Além disso, o filme tinha como mote temáticas sensíveis a alguns grupos sociais, especialmente a uma ala do jornalismo (os sensacionalistas) e dos policiais (os corruptos), de modo que o artista ainda precisou lidar com críticas desses profissionais e com complicações vindas do escritório do Código Hays.

O avanço de tais grupos contra o diretor, nesse caso, tinha razões claras para existir, exploradas pelo próprio filme. Assim como fizera em Farrapo Humano, irritando grupos ligados à indústria de bebidas alcoólicas; ou como fizera com gente grande de Hollywood em Crepúsculo dos Deuses, Wilder colocava na tela o comportamento de um determinado indivíduo, as motivações em torno desse comportamento e as consequências que isso poderia trazer para uma ou mais pessoas. Em seu cinema, o diretor constantemente exibida a condição de “fruto do meio” sem nunca se esquecer de mostrar como essa relação entre o indivíduo, seus vícios e a sociedade em que ele vivia poderiam encontrar e cruzar linhas muito perigosas.

Baseado em casos reais, como os de W. Floyd Collins (1925) e Kathy Fiscus (1949), o soterramento de Leo Minosa (Richard Benedict) nesse filme é o ponto de partida para que o jornalista Chuck Tatum (Kirk Douglas) coloque em prática a sua grande ambição de conseguir um furo jornalístico digno de um Pulitzer, fazendo da situação de um homem soterrado um palco para a geração de notícias por um longo período de tempo. A prática sensacionalista explorada pelo texto é, talvez, muito mais conhecida e executada em nossos dias do que na época em que o longa foi rodado. Jornais impressos, televisivos, radiofônicos ou eletrônicos não escapam de seus ‘momentos vampíricos’, onde rondam e sugam tudo quanto for possível de uma situação terrível, porque notícia ruim vende mais, chama mais atenção do povo, gera comentários por mais tempo.

Mas a questão não para por aí. Wilder está o tempo inteiro abrindo os planos, mostrando centenas de pessoas concentradas perto da montanha onde Leo está soterrado; todos querendo saber o que está acontecendo, pagando para estar no local, ansiando por uma novidade, qualquer que seja. Esse tipo de impulso social é também parte do problema, e busca saciar-se no alimento cedido pelo jornalismo oportunista e antiético. Assim, um lado dá suporte ao outro, enquanto alguém sofre continuamente e muitas vezes é mantido nessa situação ou tem a sua situação piorada pela terrível interferência daqueles que precisam forjar o fato para vender notícia. Em alguma medida, isso me lembrou Abutres (2010), de Pablo Trapero, onde um um advogado ligado à máfia de seguros de vida vivia rondando hospitais públicos em busca de clientes.

A tragédia que encerra A Montanha dos 7 Abutres está colocada na tela em diversos níveis, seguindo simbolicamente o excelente trabalho visual de profundidade de campo que o diretor executa desde as primeiras cenas. É melancólico e dolorido ver aquele plano geral de carros se afastando, de pessoas indo embora para suas casas, da multidão distanciando-se do lugar onde até pouco tempo encontravam algum tipo de mórbido prazer. Isto, porém, não basta para o personagem vivido por Kirk Douglas. Aparentemente atormentado pela consciência (afinal de contas, a morte do homem é culpa sua, que tardou o resgate para poder ter mais coisa para noticiar) ele dá um passo para compensar o que causou, mas a direção nos indica uma intenção oculta ali. Os closes, a atuação de Douglas, a intensidade da trilha sonora e a maneira como vemos a câmera movimentar-se para expor o personagem nos últimos momentos mostram que não estamos diante de alguém verdadeiramente arrependido. O que vemos é um homem acabado, agora usando a si mesmo como carcaça para cavar uma grande notícia. No fim das contas, o próprio causador das desgraças acaba sendo objeto para o espetáculo jornalístico que armou e do qual tanto se alimentou.

A Montanha dos 7 Abutres (Ace in the Hole) — EUA, 1951
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, Lesser Samuels, Walter Newman (baseado em história de Victor Desny)
Elenco: Kirk Douglas, Jan Sterling, Robert Arthur, Porter Hall, Frank Cady, Richard Benedict, Ray Teal, Lewis Martin, John Berkes, Frances Dominguez, Gene Evans, Frank Jaquet, Harry Harvey, Bob Bumpas, Geraldine Hall, Richard Gaines
Duração: 111 min.

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