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Crítica | A Mocinha da Fábrica de Fósforos

por Fernando Campos
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A conclusão da Trilogia do Proletariado é o capítulo mais melancólico da saga, composta por Sombras no Paraíso, Ariel e A Mocinha da Fábrica de Fósforos. No terceiro capítulo da trilogia, com histórias sem ligação entre si, o diretor Aki Kaurismäki mostra um mundo tomado pelo niilismo, com consequências tristes para aqueles que ousam sentir o mínimo de afeto.

O longa acompanha Iris (Kati Outinen), uma moça que trabalha em uma fábrica de fósforos e leva uma vida frustrante em uma casa. Ela acredita que sua vida está prestes a mudar quando encontra Aarne (Vesa Vierikko), um homem bem sucedido, e se apaixona por ele, mas o relacionamento dos dois não será nem perto do que ela esperava.

Apesar do filme ser praticamente mudo, com pouquíssimos diálogos entre os personagens, Kaurismäk os disseca através dos ambientes. Aqui, é fundamental observar a direção de arte para entender a proposta da obra. Os espaços servem como perfeita representação do estado de espírito daqueles que compõe o universo. Por isso, justifica-se a escolha do diretor por ambientes internos na maior parte da película e pelo azul, branco e cinza como cores que dão o tom dos espaços.

A casa da mãe e do padrasto de Iris, por exemplo, ressalta não apenas a condição financeira da família, claramente humilde, mas evidencia como a protagonista se sente ali. O aspecto velho, escuro e descuidado do ambiente mostra a falta de afeto e vida no lugar. Além disso, a fotografia destaca a sensação de desconforto da garota em casa, através de ângulos fechados, não só por não estar bem alojada, como também pela completa indiferença com que é tratada. A misancene ressalta, por exemplo, como ela sequer é agradecida, vista ou elogiada por preparar o jantar e servir os pais, um detalhe que representa a dinâmica na casa. 

Já Aarne, que possui uma condição financeira melhor, vive em um apartamento novo, mas vazio, com excesso de branco e claramente maior do que o necessário para o personagem. Ou seja, mesmo quem atinge o sucesso financeiro nesta corrida social chamada capitalismo, não vê adquirir crescimento interno. O rapaz é tão pobre intelectualmente e sentimentalmente quanto mãe e padrasto de Iris. Repare como num raro momento de afeto do homem, o único do filme, ele deixa uma nota para a protagonista. Na linguagem dele, sentimento se resume a dinheiro.

Outra escolha da direção de Kaurismäki é a ausência de trilha sonora, usando música apenas em momentos pontuais. A música surge apenas nos momentos felizes de Iris, não coincidentemente, quando está sozinha, como lendo sozinha no bar. As decisões do diretor ressaltam não apenas o desconforto social da garota, mas como são as interações naquele universo que geram momentos de dor e tristeza.

O niilismo em A Mocinha da Fábrica de Fósforos está em mostrar como o ser humano pode ser independente, veja como Iris usa a arte para se satisfazer sentimentalmente, mas é constantemente forçado a se encaixar em padrões sociais, como casamento e trabalho. Ironicamente, esse universo com laços sociais forçados é tomado pela indiferença de quem o compõe, algo que pode machucar tanto quanto uma palavra de ódio. Impedida de viver com o mínimo de decência e incapaz de se sentir indiferente, resta a Iris o ódio por si mesma ou pelos outros, resultando no trágico clímax do filme.

Por mais que os comportamentos dos personagens do longa pareçam exagerados, é notório como a nossa sociedade cada vez mais é tomada pela frieza. Vemos várias pessoas indiferentes a notícias terríveis e alarmantes, como fazem os pais de Iris e como ficou notório na realidade durante a pandemia, e outras cultuando a si mesmas, como Aarne, que acha que afeto se resume a dinheiro. Além da desigualdade, cabe ao proletário lidar também com a falta do mínimo afeto.

A Mocinha da Fábrica de Fósforos (Tulitikkutehtaan tyttö) – Finlândia e Suécia, 1990
Direção: Aki Kaurismäki
Roteiro: Aki Kaurismäki
Elenco: Kati Outinen, Elina Salo, Esko Nikkari, Vesa Vierikko, Reijo Taipale, Silu Seppälä, Outi Mäenpää, Marja Packalén, Richard Reitinger, Helka Viljanen, Kurt Siilas, Ismo Keinänen, Klaus Heydemann, Erkki Friman, Tapani Ikonen, Jari Lappalainen, Lasse Luoto
Duração: 69 min

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