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Crítica | A Marca da Forca

por Ritter Fan
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A Marca da Forca foi um dos três longas hollywoodianos estrelados por Clint Eastwood que estrearam em 1968, que pode ser considerado como o ano em que sua prolífica carreira cinematográfica em solo americano realmente começou,  depois de seu retorno da Itália para trabalhar na célebre Trilogia dos Dólares de Sergio Leone. Se em Meu Nome é Coogan ele viveu um pistoleiro urbano, personagem de transição para o típico policial durão que marcaria sua carreira nos anos 70, no longa dirigido por Ted Post ele vive um típico personagem de faroeste em uma típica história de vingança. Ou, pelo menos, é isso que o espectador deduz a partir dos primeiros minutos de projeção.

Mas o longa não tem nada de típico, podendo até mesmo, de certa forma, ser considerado como uma das várias sementes de Os Imperdoáveis na maneira como trafega entre o que esperamos de um filme do gênero e o que ele efetivamente faz com o gênero, subvertendo expectativas no processo. Na história, Jedediah Cooper (Eastwood) é um vaqueiro que, depois de comprar um rebanho, é tido como ladrão de gado e enforcado por um grupo de nove justiceiros. Ele não morre, mas fica com a “marca da forca” em seu pescoço, acabando na fictícia Fort Grant, no então território do Oklahoma, onde é empossado como delegado federal pelo juiz Adam Fenton (Pat Hingle) para, dentre outros, levar para a Justiça aqueles que quase o mataram.

O que diferencia a história do que esperamos de premissas assim é que o filme todo é uma visão crítica severa do conceito de Justiça como um todo. O Juiz Fenton, para começo de conversa, é a versão fictícia do famoso Juiz Isaac Charles Parker, de Fort Smith, no Arkansas, mais conhecido como o Hanging Judge ou, em tradução direta, o “Juiz Enforcador”. Parker ganhou notoriedade pela quantidade de pessoas em que aplicou a pena de morte por enforcamento e pela sua visão binária da estrutura judiciária que vê os acusados ou como culpados ou como inocentes, sem considerações intermediárias. Fenton, no longa, é exatamente assim, além de os enforcamentos serem encarados pela população local como verdadeiros shows a serem assistidos com guloseimas e torcidas e isso começa a relativizar a própria questão da vingança de Cooper, que começa a revisar sua forma de dispensar Justiça.

A expansão americana para o Oeste pode ser encarado como um dos mais recentes processos civilizatórios de um país. Por um momento, apenas para fins de meu presente comentário, esqueçamos os nativos que viviam nos territórios que passaram a ser cobiçados sob o chamado Destino Manifesto e apenas foquemos nos “invasores”. Quando pensamos neles e nas maneiras como os territórios “selvagens” passaram a ser ocupados, primeiro completamente sem lei, com a Justiça de Fronteira sendo a primeira palavra e a palavra final sobre qualquer coisa, depois passando a semblantes de cidades, com simulacros de lei e ordem até chegar ao que vemos em A Marca da Forca, com um processo legal (ou due process) estabelecido, mas profundamente falho, podemos enxergar como a Justiça é um termo muito relativo que carrega em sua gênese o peso das injustiças que ela mesmo comete. Cooper quer primeiro matar seus algozes, mas compreende que precisa trazê-los para a Justiça, concluindo, em seguida, que nem mesmo essa é a melhor solução, ainda que não haja real alternativa.

E o melhor é que o roteiro de Leonard Freeman e de Mel Goldberg não recorre a didatismos para abordar esses pontos, dependendo muito mais de um belo trabalho de caracterização por Eastwood e também de Hingle para fazer seus comentários de cunho filosófico que transformam A Marca da Forca em material rico para fomentar debates sobre a natureza de qualquer sistema judiciário. Aliás, diria que este é o primeiro papel de Eastwood a exigir do ator algo mais do que apenas seu carisma e sua aparência, já que ele precisa evoluir seu personagem do vaqueiro em busca de vingança até o delegado consciente de que é uma engrenagem em um sistema falho, mas que é melhor do que a ausência de lei e ordem sem deixar de convencer o espectador de seu caráter durão e invencível, algo que o roteiro também relativiza bem.

O passo que Ted Post imprime, por seu turno, não é dos mais rápidos. O longa conscientemente demora a chegar em seu clímax e, quando chega, ele potencialmente desapontará alguns pela sua velocidade, simplicidade e falta de fechamento completo de um ciclo, ainda que haja, ali, justiça poética. Mas essa, para mim, é justamente outra qualidade do longa, que precisa de tempo para lidar com sua temática bem mais complexa do que o que a sinopse promete, além de tornar crível a evolução de Cooper.

No entanto, admito que o roteiro se estende demais, acabando por repetir situações (o tiroteio no saloon) e a introdução extremamente tardia de um romance que não tem muita função narrativa para além de “explicar” a bela, mas misteriosa Rachel Warren (Inger Stevens) que verifica com ansiedade cada novo prisioneiro que chega à cidade. Não há entrelaçamento narrativo para essa sub-trama, que fica parecendo uma side quest tangencial que só acrescenta desnecessariamente mais duração à obra. E nem afirmo que esses elementos não pudessem estar presentes no longa, mas sim que os momentos em que eles são introduzidos quebram o ritmo da narrativa e desviam o filme de seu fio condutor.

A Marca da Forca sem dúvida é um filme que engana e que traz surpresas positivas que vão muito além de sua premissa básica. Mesmo longe de ser o último faroeste de Eastwood, há uma maturidade temática invejável no filme que convida o espectador a discutir seus temas mesmo muito tempo depois de os créditos finais terminarem de rolar.

A Marca da Forca (Hang ‘Em High, EUA – 1968)
Direção: Ted Post
Roteiro: Leonard Freeman, Mel Goldberg
Elenco: Clint Eastwood, Inger Stevens, Ed Begley, Pat Hingle, Ben Johnson, Charles McGraw, Ruth White, Bruce Dern, Alan Hale, Jr., Arlene Golonka, James Westerfield, Dennis Hopper, L. Q. Jones, Michael O’Sullivan, Joseph Sirola, James MacArthur, Bob Steele, Bert Freed, Russell Thorsen, Ned Romero, Jonathan Lippe, Tod Andrews, Mark Lenard
Duração: 114 min.

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