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Crítica | A Incrível História de Henry Sugar

O que transforma a vida de um homem?

por Luiz Santiago
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Adaptação do conto homônimo de Roald Dahl, escrito em 1976 e publicado um ano depois, A Incrível História de Henry Sugar é parte de uma antologia de curtas-metragens que o cineasta Wes Anderson concebeu em 2023 — mesmo ano do lançamento de seu longa-metragem Asteroid City — para homenagear o trabalho do escritor de A Fantástica Fábrica de Chocolate. Neste primeiro e mais importante curta da tetralogia (o maior, em duração), o diretor cria uma narrativa em abismo, com um evento dentro de outro evento, abrindo algumas janelas narrativas e outras tantas variações dramáticas, encenadas pelos mesmos atores, em diferentes papéis.

No centro das atenções está a estrela do conto, Henry Sugar, um ricaço, herdeiro, desprezível e focado unicamente em seu maior prazer na vida: ganhar ainda mais dinheiro do que já tem. Na composição do personagem, Benedict Cumberbatch cria um homem que não é cruel, mas se impõe facilmente diante do público. Ele se acha melhor e maior, despreza qualquer coisa à sua volta, desdenha de todo tipo de literatura que não afague seus gostos mais íntimos e entende o seu vício em jogos de cartas como uma extensão dessa sua vida fútil, voltada e amparada pela matéria. O outro, na visão de Henry Sugar, simplesmente não existe. Até que, por um acaso sutil do destino, ele descobre um pequeno livro, em uma biblioteca particular. E ali está uma aventura que o mudará para sempre.

O filme se assume confortavelmente como uma exibição guiada pela estrutura literária. Seus diálogos incluem a intervenção constante de um narrador externo (na voz dos próprios atores em cena) e sugerem uma apresentação, palavra por palavra, do conto original. Não é um modelo de narração cinematográfica confortável de acompanhar (principalmente hoje, quando somos bombardeados por uma estética e ritmos de videoclipe), e para muitos espectadores, pode facilmente cair na chatice. O diretor, porém, consegue utilizar de sua concepção visual instigante — aqui, muito melhor utilizada do que em Asteroid City, sem aquele encanto quase estéril unicamente em prol da estética — para dar vida a esse discurso conceitualmente engessado, parado, lento; quebrando a monotonia de seu roteiro com uma cuidadosa transformação do cenário no modo mais teatral possível.

Essa junção de formas distanciadas do cinema produz um efeito ímpar na apresentação da história de Henry Sugar, e Wes Anderson controla bem a artificialidade dessa exposição, mantendo uma linha narrativa no melhor estilo de “contação de histórias“, deixando clara a intenção de falar sobre a experiência do autor Roald Dahl (interpretado com muita delicadeza por Ralph Fiennes), sobre as descobertas de um homem traumatizado pela morte do irmão (Imdad Khan, interpretado de forma fascinante por Ben Kingsley) e de como isso leva-o a desenvolver uma habilidade muito especial. Henry Sugar se empenha fervorosamente para desenvolver a mesma habilidade, e inicialmente acredita que a usará para benefício próprio. Ele não esperava, contudo, olhar com novas lentes para dentro de si e para o mundo à sua volta, encontrando um outro propósito de vida.

A graça desse filme está na grande quantidade de possibilidades de interpretação e abstração de situações que ela nos entrega. Existe um lado espiritual/místico; um lado de busca interior; questões morais e éticas nas relações sociais; aspectos gerais sobre a caridade; transformação do pensamento comunitário de um homem e transformação da forma como alguém lida com a materialidade ou como enxerga o seu propósito de vida. Num conto com tantas implicações, filmado com uma sequência contrastante de tons e variações de espaço na direção de arte, com o cenário sempre se transformando, se alterando na frente do espectador, vemos tudo se afunilar para a mudança dos indivíduos. Todos são afetados e modificados pelo contato com os ensinamos do velho iogue indiano, tanto direta, quanto indiretamente. E em tudo há uma mescla de absurdo com comédia e lições de humanidade. Uma charmosa aventura, mesmo que um tanto cifrada e cansativa, onde alguém encontra algo para preencher-lhe o vazio, e acaba dando uma guinada completa em seu estilo de vida, deixando de fazer tudo exclusivamente para si, e moldando um mundo um pouco melhor para muitos.

A Incrível História de Henry Sugar (The Wonderful Story of Henry Sugar) — Reino Unido, EUA, 2023
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson (baseado em obra de Roald Dahl)
Elenco: Ralph Fiennes, Benedict Cumberbatch, Dev Patel, Ben Kingsley, Richard Ayoade, Jarvis Cocker, Rebecca Cornford, David Gant, Mita Chowdhury, Sambathkumar Anbalagan
Duração: 37 min.

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