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Crítica | A Maldição do Mar, de Shea Ernshaw

Uma condenação celebrada.

por Kevin Rick
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A premissa de A Maldição do Mar parece uma mistura de temas batidos da literatura Young-Adult, ou YA, de terror e romance. A autora Shea Ernshaw cria um enredo em torno de uma cidadezinha deslocada e misteriosa com uma lenda local que se repete todo ano durante o verão, enquanto um casal protagonista com passados ocultos luta para quebrar a maldição, encontrando amor durante a jornada. Apesar de soar bastante bobo (talvez até intencionalmente), Ernshaw consegue fazer uma costura interessante de clichês para manter a leitura levemente engajante.

Entrando em detalhes, a tal cidadezinha se chama Sparrow, que duzentos anos atrás condenou a irmãs Swan (Marguerite, Hazel e Aurora) à morte por afogamento, após serem culpadas de serem bruxas pelos habitantes locais. Desde então, todo verão as irmãs Swan saem de seus túmulos aquáticos para consumarem vingança, possuindo jovens garotas e atraindo meninos para a morte no mar. Em meio aos afogamentos anuais, até celebrados e mistificados por moradores e turistas, acompanhamos a história de Penny Talbot, uma moça que perdeu o pai durante a “temporada Swan” e tem tanto medo das irmãs Swan quanto de ficar presa em Sparrow, como também conhecemos Bo, um viajante que chega na cidade em busca de trabalho, mas que esconde segredos.

Mesmo se tratando de um livro baseado em convenções e previsibilidade, a escritora Ernshaw faz um bom trabalho em “esconder” e dinamizar os clichês com uma prosa atmosférica. A autora tem um ótimo controle de descrição do medo causado pela maldição nos jovens de Sparrow, especialmente com a melancólica protagonista. Usando e esbanjando de monólogos internos e uma espécie de narração em off, Ernshaw carrega o leitor por uma ótima imersão da lenda e seu impacto na cidade turística. Em cima disso, também é necessário pontuar como a autora estrutura bem os flashbacks, inseridos como pequenos interlúdios (pequenos mesmo, entre 1 ou 2 páginas) durante a narrativa principal, sempre bem colocados para preencher lacunas ou pontuar um mistério de acordo com o que é contado no presente. É como se a escritora usasse o passado como impulso para progressão narrativa, o que é realmente bacana em termos de ritmo.

Dessa forma, algo em torno da metade da obra, é alicerçado no mistério das irmãs, da cidade e do próprio passado de Penny e Bo. Ernshaw não tem o controle de ambientação de um Stephen King em Salem, por exemplo (apesar de ser uma comparação injusta), que consegue transformar a cidade-título em um personagem, mas a prosa econômica e sempre objetiva da escritora tem um excelente compasso e envolvimento de uma trama ambiente-histórica. Os problemas começam após essa metade inicial, onde Ernshaw se distancia do estilo mais geral da cidade e também do pessoal de Penny, para focar no romance entre os protagonistas.

É de uma estranheza tão grande como a artista vai fugindo do tema para destacar um romantismo cafona. Talvez o enfoque no romance era até o intuito inicial da autora, mas confesso que A Maldição do Mar funciona muito mais como uma leitura de horror com uma ambientação misteriosa, o jogo histórico entre presente e passado e o interessante dilema entre matar as jovens possuídas. O pior é que quando tudo começa a se desenrolar com uma sensação de clímax, além de unidade entre o grupo de coadjuvantes, as irmãs Swan e os protagonistas, parece que Ernshaw resigna todo o seu desenvolvimento para contar uma história de tragédia romântica shakespeariana corrida, com uma prosa brega – descrições como “o toque dele me fascina”, que reviram os olhos.

Ainda há o que se gostar no desfecho, com uma boa dose de drama de sacrifício e um acerto de contas recompensador pensando na parte histórica da maldição, mas fica o gostinho agridoce de como a leitura de A Maldição do Mar podia ter desenvolvido melhor seus núcleos iniciais das “bruxas”, dos jovens perturbados e da própria mitologia de Sparrow. No fim, Shea Ernshaw se mostra uma escritora promissora – baita prosa aconchegante! -, que trabalha bem com clichês, mas, aqui, infelizmente se perdeu entre o terror atmosférico com o romantismo cafona.

A Maldição do Mar (The Wicked Deep) – EUA, 2018
Autor: Shea Ernshaw
Editora original: Simon & Schuster
Tradução: Octávia Alves
Data original de publicação: 6 de março de 2018
Editora no Brasil: Editora Record – 1ª ed. (2021)
Páginas: 320

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