“Eu acredito em Deus, mas esse tipo de trabalho não me aproxima dele.”
O found footage como ferramenta para o horror é um uso conhecido dos entusiastas do gênero, tendo acompanhado auges e quedas de interesse desde que estourou com o lançamento de A Bruxa de Blair. Aislinn Clarke convida o seu público a adentrar nas gravações – ditas como reais, em efeito espirituoso – feitas por John (Ciaran Flynn) e estreladas por Thomas (Lalor Roddy), padres que são encaminhados pelo Vaticano a uma casa para “mulheres caídas”, que perderam suas “inocências”, e são tratadas inescrupulosamente por freiras. A missão dos dois, no entanto, é averiguar a autenticidade de um suposto milagre: uma estátua da Virgem Maria começou a sangrar. No caso, o found footage em questão é muito mais um formato apenas visando essa contextualização de que os acontecimentos são reais, e não um dispositivo narrativo competente.
A começar pela primeira cena do filme, que surge como uma contradição ao interesse do próprio, A Maldição da Freira principia-se exemplificando os seus – nem tantos assim – problemas estruturais. Mostrar no início da obra um gosto do futuro é equivocado, pois quebra a cronologia inerente a um found footage comum, e também já presume o que acontecerá com esses personagens. Essa é uma trajetória sobre fé, sobre encontrar uma verdade em meio a tantas mentiras – um milagre. Thomas, em meio a isso, é um padre que não possui crença na instituição, rejeita aquelas freiras e aquele espaço, capturado por uma razão de aspecto retrô, que emula a filmadora do seu parceiro John – menos marcante que o protagonista. As assombrações deveriam acompanhar Thomas, mas é John, em sua rotina noturna, que convive com as risadas de crianças.
Enquanto encaminha um interessante senso de atmosfera no primeiro ato, recorrendo a uma exploração mais intimista do que acontece naquele sombrio lugar, o cineasta, posteriormente, simplesmente esquece das empregadas que são abusadas pelas irmãs. Continua, pelo menos, ainda espirituoso em como olha com cautela para Thomas e sua presença em frente a situações anormais. Lalor Roddy consegue captar o horror de seu personagem, assim como os vários princípios que o move, sempre incisivo em suas posições perante coisas que não concorda. É um padre a quem confiamos nossa confiança em si, porém, não por ser um mero padre, mas por essa essa figura particular, com inseguranças, pensamentos próprios e críticas ao seu próprio entorno. Já as freiras, por outro lado, são assustadoras, vividas intensamente pelas suas boas intérpretes.
A Maldição da Freira até que é uma interessante revisão do caráter de certos membros de certas instituições. Para a Igreja Católica, também é uma crítica mais entusiasmada às vezes em que padres cometeram atos pecaminosos e saíram impunes. Quantas narrativas sobre freiras cruéis já não conhecemos? Mas o roteiro propriamente dito, em contrapartida, não possui muito a oferecer aos seus espectadores, encontrando uma limitação na própria fórmula do exorcismo que aparece na terceira metade do longa – curiosamente, bastante curto até. O projeto, contudo, é mais sincero que outras produções do gênero. Reconhece a crueldade em religiosos cheios de contradições e não em encarnações demoníacas. Aqui, um protagonista interessante guia a jornada investigativa de uma obra que, por um outro lado, não compreende as tantas possibilidades do found-footage.
A Maldição da Freira (The Devil’s Doorway) – Irlanda, 2018
Direção: Aislinn Clarke
Roteiro: Martin Brennan, Michael B. Jackson, Aislinn Clarke
Elenco: Lalor Roddy, Ciaran Flynn, Helena Bereen, Lauren Coe, Carleen Melaugh, Dearbhail Carr, Charlie Bonner, Cathy Brennan Bradley, Isaac Heslip, Iona Clarke, Maddox Gulliver, Daragh Merrit
Duração: 76 min.