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Crítica | A Loucura de Max (The Madness of Max)

Uma produção insana.

por Ritter Fan
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Os anos 70 mudaram para sempre a forma de se fazer Cinema nos EUA. Mas os ventos da mudança sopravam também do distante Pacífico, onde George Miller, então um médico em residência que aspirava ser cineasta, e Byron Kennedy, estudante que ele conhecera em curso de cinema, contribuíram, em 1979, com uma produção independente completamente diferente do estilo australiano de se fazer filme naquela época, uma obra que não só realmente colocaria o país deles no mapa de Hollywood, como, mesmo bebendo de diversas inspirações anteriores, acabaria criando um subgênero em si mesmo que definiria o pano de fundo pós apocalíptico das décadas seguintes. Nascia Mad Max.

Produzido em 2015 para surfar na onda do lançamento de Mad Max: Estrada da Fúria, o quarto filme da franquia depois de um hiato de nada menos do que 30 anos desde Além da Cúpula do Trovão, The Madness of Max ou A Loucura de Max em tradução direta minha que, reconheço, estraga a brincadeira de palavras do título que só funciona no original, é um documentário que, ao longo de duas mais de 2h30′ de duração, conta a história do longa original de sua concepção até seu lançamento nos cinemas e o legado duradouro que deixou. Dirigido por Gary McFeat e Tim Ridge, o primeiro em seu segundo trabalho e o segundo, que fez parte da equipe de Estrada da Fúria, em seu primeiro na cadeira de diretor, o documentário é uma visão detalhada de cada passo da produção australiana a partir de entrevistas com quase todos os responsáveis pelo filme, de George Miller e Mel Gibson aos pais de Grant Page, coordenador de dublês, que acreditaram no projeto e ajudaram a financiar a empreitada.

É importante o espectador que decidir se aventurar pelo documentário lembrar que a produção setentista tinha um orçamento bem apertado, entre 350 e 400 mil dólares australianos, e não podia se dar ao luxo de ter uma equipe de making of acompanhando os trabalhos, pelo que o que vemos em tela são mesmo as entrevistas intercaladas com cenas do filme, com muito pouco material extra. Há, claro, fotografias da época, pôsteres e outros detalhes assim, mas as filmagens de bastidores são quase que completamente inexistentes, ainda que haja umas duas ou três que são absolutamente sensacionais e que deixam muito evidente a mistura de amadorismo, assunção de riscos, inteligência e momentos MacGyver que fizeram de Mad Max um dos grandes exemplos do chamado “Cinema de Guerrilha”, aquele feito na raça, quebrando (ou criando) regras e estilos como foi com o bem mais caro, mas não menos complicado Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, lançado exatamente no mesmo ano e que resultou em um documentário muito mais recheado de cenas da produção em si capturadas na época.

No entanto, mesmo com duração avantajada e mesmo quase que completamente tomado de “cabeças falantes”, The Madness of Max é um trabalho esplendoroso do que posso chamar de arqueologia de equipe e elenco, pois a dupla de diretores fez das tripas coração para entrevistar quase que absolutamente todo mundo que ainda estava vivo na época, usando ainda áudios antigos de Byron Kennedy, falecido tragicamente em um acidente de helicóptero em 1983, para trazê-lo momentaneamente à vida para falar da epopeia cinematográfica (as únicas ausências marcantes, que me lembre, são as de Joanne Samuel, que fez Jessie, esposa de Max Rockatansky e Vincent Gill, que viveu Nightrider, o primeiro vilão enfrentado no filme). Melhor ainda, McFeat e Ridge não se deixaram encantar pelo acesso que tiveram a George Miller e Mel Gibson e usaram apenas o realmente necessário das entrevistas com os dois, preferindo focar em nomes muito importantes para a produção, mas que não têm normalmente a mesma oportunidade de falar sobre o que fizeram. O resultado é que essa escolha abre as portas para uma variedade impressionante de visões, seja as da dupla responsável por modificar as 10 motos que a produção convenceu a Kawasaki de doar, seja as dos mecânicos que passavam as noites acordados para deixar os automóveis devidamente prontos para o dia seguinte, automóveis esses – inclusive o famoso Interceptor V8 preto de Max Rockatansky – que eram usados também para coisas prosaicas, como comprar comida no mercado mais próximo ou transportar pessoas e material para os sets de filmagem, já que não havia disponibilidade de transportes dedicados.

Os atores que interpretaram os membros da gangue de vilões (que não, não eram membros de gangues reais como se popularizou por aí) – Hugh Keays-Byrne (o líder Toecutter que, depois, seria reescalado em Estrada da Fúria como Immortan Joe), Tim Burns (Johnny the Boy), David Bracks (Mudguts), Paul Johnstone (Cundalini) e Geoff Parry (Bubba Zanetti) – estão todos lá e oferecem relatos vívidos, talvez exagerados, mas sempre sinceros, da experiência que reuniu uma sensação de comunidade, com todos fazendo muito mais do que apenas seus papeis, experiência dramática no estilo “Método” por necessidade, já que as filmagens aconteciam a qualquer momento e era mais prático estar sempre como seu respectivo personagem e os deslocamentos diários até as filmagens com as motos tunadas a 150 km/h como se eles realmente fossem a gangue do filme basicamente todos os dias. E o mesmo vale para o pessoal de bastidores, como a assistente de produção Jenny Day que fazia qualquer coisa acontecer apesar do dinheiro inexistente e o pessoal de efeitos especiais práticos que, sob o comando de um acidentado Grant Page (ele bateu de moto em um caminhão na véspera do começo da produção, arrebentando o rosto e quebrando a perna de Rosie Bailey que havia sido originalmente escalada para interpretar Jessie) viviam inventando maneiras criativas de colocar em tela a visão de Miller.

Aliás, vale especial menção o cuidado que o documentário tem em abordar cada cena de ação, destrinchando como elas foram feitas, sejam as filmagens com literal câmera na mão com carros e motos a 200 km/h, sejam as espetaculares batidas e capotagens que pontilham o filme. Cada grande sequência dessa é mostrada e seguida de relatos entusiasmados de cada um envolvido, por vezes com comentários na linha de “éramos malucos na época, mas foi divertido” ou “isso jamais seria feito hoje em dia” e, por outras, acompanhados de filmagens raras de bastidores que revelam quase tragédias e a hilária sequência do carro foguete em que a produção efetivamente usou um foguete emprestado do Departamento de Defesa australiano, em um daqueles momentos WTF? que nem eles mesmos acreditaram.

Há muito mais o que falar de The Madness of Max dada a riqueza de detalhes do documentário, mas o melhor mesmo é conferi-lo. O trabalho de Gary McFeat e Tim Ridge sobre os bastidores de Mad Max é completo e definitivo, ainda que eles tendam a fugir de polêmicas, como por exemplo o momento ainda no começo da produção em que George Miller decidiu não mais dirigir o filme, algo que é abordado muito rápida e perfunctoriamente. Mesmo com esse “senão”, o trabalho hercúleo da dupla em entrevistar o número de pessoas que foi entrevistada e de abordar cada momento da história do filme, de sua concepção, transformação em uma distopia passada alguns anos no futuro, produção conturbada, demora na pós-produção, distribuição de sucesso na Austrália e confusa nos EUA que levou à dublagem do filme em “inglês americano” (inclusive a voz de Mel Gibson, que é americano…) e seu legado, tudo está lá. O filme que para sempre mudou a forma como distopias pós apocalípticas seriam feitas ganha um documentário à altura que destrincha a estrada da fúria, da coragem e da resiliência que foi levá-lo às telonas.

A Loucura de Max (The Madness of Max – Austrália, 2015)
Direção: Gary McFeat, Tim Ridge
Roteiro: Gary McFeat, Tim Ridge
Com: Steve Amezdroz, Stuart Beatty, Steve Bisley, David Bracks, Phil Brock, Jack Burger, Graham Burke, Tim Burns, Bertrand Cadart, David Cameron, David Cameron, Robina Chaffey, Jenny Day, Jon Dowding, David Eggby, Howard Eynon, Alan Finney, Lindsay Foote, Nic Gazzana, Mel Gibson, Clare Griffin, John Hipwell, Paul Johnstone, Andrew Jones, Peter Kamen, Hugh Keays-Byrne, Eric Kennedy, Lorna Kennedy, Merren Kingsford-Smith, John Ley, James McCausland, Viv Mepham, Bill Miller, George Miller, Stephen Millichamp, Chris Murray, Stephen O’Hare, Terry O’Hare, Robert Orchard, Grant Page, Geoff Parry, Joanne Samuel, Des Sheridan, Tim Smart, Mark Wasiutak, Gary Wilkins, Byron Kennedy (gravações antigas de sua voz)
Duração: 157 min.

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