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Crítica | A Loja dos Horrores

O desplante de Corman.

por Ritter Fan
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Roger Corman, o sensacional mestre dos filmes produzidos a toque de caixa com orçamentos de centavos de dólar, é de uma originalidade e competência quase sem paralelo nessa seara. A Loja dos Horrores foi feito de estalo, em poucos dias, com muito pouco dinheiro (os valores oscilam bastante, mas foi troco) com o objetivo de basicamente colocar na lata um último filme antes da mudança da regra de remuneração de atores que, segundo o cineasta, dificultaria a produção de obras em seu estilo de guerrilha, o que acabou não acontecendo de verdade, mas tudo bem.

O fato é que imaginar e ter a coragem de fazer um filme sobre uma planta carnívora que precisa de sangue e carne humanos para crescer com uma pegada cômica e irreverente não é para qualquer um, especialmente se, em retrospecto, notarmos o quanto esse interessantíssimo longa acabou profundamente enraizado na cultura pop, inclusive tornando-se cult e gerando o que podemos chamar de uma pequena franquia, com uma adaptação musical off-Broadway que, por sua vez, levou a uma versão cinematográfica capitaneada por Frank Oz, além de uma pouco lembrada animação, duas versões colorizadas do original e rumores variados de um retorno da obra para o audiovisual tanto como série como quanto longa.

Seymour Krelboyne (Jonathan Haze) é um inocente e atrapalhado empregado de uma floricultura que, para evitar ser demitido pelo ganancioso Gravis Mushnick (Mel Welles) depois de destruir um arranjo de flores, leva para lá uma planta de espécie desconhecida que ele vinha tentando cultivar e que batizara de Audrey Jr. em homenagem à outra funcionária da loja, Audrey Fulquard (Jackie Joseph), por quem é apaixonado. O sucesso é imediato, com a planta atraindo um novo tráfego de clientes que, por sua vez, faz com que os olhos de Mushnick passem a ver cifrões, com Seymour sendo basicamente obrigado a fazer de tudo para o vegetal crescer, o que significa primeiro alimentá-la com seu próprio sangue e, depois, com corpos humanos.

A história atrai pelo tom absurdista que está enraizado não só na premissa, como também nos estereótipos extremos em que os personagens são galgados. Seymour é a inocência pura que se corrompe pela promessa de sucesso e amor, que vive com uma mãe possessiva e constantemente doente para evitar que ele saia do seio materno. Audrey (não a planta) é a encarnação da doçura e da subserviência, enquanto que, de forma polêmica – inclusive sentida na época – Mushnick é o judeu sovina e ganancioso que, mesmo horrorizado ao descobrir o segredo do crescimento vertiginoso de Audrey (agora sim a planta), sucumbe à tentação. E isso porque eu nem cheguei nos coadjuvantes mais do que floridos que orbitam a história, como o freguês que frequenta a loja porque come flores, o dentista sádico, o cliente masoquista do dentista (ninguém menos do que Jack Nicholson novinho!) e, claro, a cliente que entra o tempo todo na loja porque algum parente ou conhecido morreu, além do narrador misterioso que, só mais lá para frente, não só revela sua identidade, como entra na história.

Como sua curta duração e essa quantidade de personagens, não seria errado classificar A Loja de Horrores como uma sucessão episódica de esquetes que giram em torno de seu conceito bizarro e muito divertido, mas Corman tem ritmo e ele consegue manter o interesse por sua narrativa constantemente, mesmo que, para isso, tenha que fazer brotar diversas figuras quase que literalmente surreais para povoar sua história de terrir. Além disso, o cineasta não esquece seus comentários sociais, aqui essencialmente focados na relação abusiva de patrão e empregado e na transformação nem sempre feliz que o dinheiro traz, além de sua clássica capacidade de fazer o inusitado parecer perfeitamente crível, já que Audrey (novamente a planta) é absolutamente inesquecível em sua simplicidade macabra e também graças à sua voz (de ninguém menos do que o roteirista Charles B. Griffith) que suplica a Seymour que a alimente.

Seymour, Audrey e companhia marcaram época, mesmo que o próprio Corman tenha duvidado do poder duradouro de sua criação ao ponto de sequer ter registrado o filme no escritório de direitos autorais americano, levando-a a cair em domínio público. A criatura ganhou vida própria e passou a manter-se presente no imaginário popular por décadas a fio apesar de seu criador não ter se movimentado para fazê-la crescer e florescer.

A Loja dos Horrores (The Little Shop of Horrors – EUA, 1960)
Direção: Roger Corman
Roteiro: Charles B. Griffith
Elenco: Jonathan Haze, Jackie Joseph, Mel Welles, Dick Miller, Myrtle Vail, Sandra De Bear, Toby Michaels, Leola Wendorff, Lynn Storey, Wally Campo, Jack Warford, Meri Welles, John Herman Shaner, Jack Nicholson, Dodie Drake, Charles B. Griffith, Jack Griffith, Robert Coogan
Duração: 72 min.

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