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Crítica | A Lenda de Korra – Livro Dois: Espíritos

por Kevin Rick
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Grande parte do meu argumento positivo em relação a 1ª Temporada de A Lenda de Korra é baseado em progresso, especialmente no contexto de desmistificação de universo e mitologia que os criadores Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko fazem no Livro 1 (modernidade tecnológica, banalidade dos elementos, menos aventuras triviais e mais objetividade narrativa), buscando demonstrar a importância dos componentes culturais, filosóficos e místicos que são bases da série original. Livro Dois: Espíritos segue a mesma cartilha de mudança, só que ainda mais mergulhado no lado espiritual da obra.

A trama do segundo ano da série começa seis meses após a derrota de Amon, onde acompanhamos Korra e o restante do “Time Avatar” se juntarem a Tenzin e sua família em uma visita à Tribo da Água do Sul para o solstício de inverno. Durante as festividades, um espírito ruim aparece interrompendo o evento, e Tenzin e Korra têm problemas em afastá-lo. Unalaq, tio de Korra e Chefe da Tribo da Água do Norte, consegue tranquilizar o espírito furioso. Após o acontecimento, Korra decide rejeitar os treinamentos de Tenzin para continuar seu desenvolvimento espiritual com Unalaq.

Considerando que este é o primeiro “livro” da franquia não focado em um dos quatro elementos, e ainda por cima tem como ponto central os “Espíritos” deste Universo, a segunda temporada da jornada de Korra abre várias portas interessantes para aprofundar-se no inexplorado mundo espiritual de Avatar. Ainda que tivemos várias inserções da parte mais, digamos, imaterial dos espíritos na franquia, grande parcela do seu envolvimento narrativo aconteceu de maneira pontual, normalmente com metáforas sobre autodescoberta (isso acontecia muito com Aang) ou então como um toque alegórico especial na brilhante construção de mundo da série original. Dessa forma, raramente houve um aprofundamento mitológico dos espíritos, e tampouco uma elucidação do papel de “ponte entre mundos” do Avatar.

Livro Dois propõe um estudo desse lado misterioso, e até certa medida adiciona uma boa quantidade de detalhes ao Universo, especialmente na segunda metade da Temporada. Até o sexto episódio, o mote da temporada ocorre em torno de uma possível Guerra Civil entre as Tribos da Água do Sul e do Norte, com alguns componentes espirituais, mas realmente nos situando de uma trama social/política, como ocorreu com Amon e os Equalistas. E então, com o flashback do Avatar Wan, em Beginnings (episódios 7 e 8), a narrativa do Livro 2 é completamente revirada em tom e abordagem, nos levando para um caminho histórico e místico.

A mudança abrupta de estilo é rodeada de prós e contras. Por um lado, há um sentimento gigantesco de falta de compensação dos conflitos indicados nos primeiros seis episódios da temporada. O roteiro apresenta os problemas sociais das Tribos, uma subtrama (risível e apática) detetivesca de Mako e o drama familiar entre Korra, Unalaq e seu pai Tonraq, assim como entre os filhos de Aang (Tenzin, Kya e o divertidíssimo Bumi), mas nenhuma dessas circunstâncias recebem um desfecho propriamente dito, sendo vergonhosamente largadas durante a temporada. A total falta de recompensa narrativa e desenvolvimento do que foi estabelecido criam um grande problema de contexto para nossa experiência. Afinal, ainda que tenha como tema central a espiritualidade, o enredo do Livro 2 inicialmente nos situa em outras formas narrativas (política, investigação e melodrama), e ao ignorá-los por completo no ato final místico e épico, o espectador fica num limbo de propostas não-resolvidas.

Além disso, há um paradoxo negativo na maneira que os roteiristas desenvolvem os personagens, com exceção de Korra. A despeito da série priorizar o progresso – o final até cria toda uma circunstância de fechamento de ciclo e início de uma Nova Era Espiritual -, os arcos dos coadjuvantes são basicamente reciclagens superficiais do que vimos no ano inicial. A subtrama de triângulo amoroso retorna de modo mais artificial, considerando como são raros os momentos de dinâmica entre Korra com Asami e Mako, além de que a própria Asami mal aparece em toda a temporada, e quando se manifesta é sempre em volta do enfadonho amor não correspondido por Mako. E nem vou gastar tempo falando de Bolin, mantido como um alívio cômico raso e esporádico. Até mesmo a trama deslocada e sem impacto de investigação dada aos três coadjuvantes soa como uma tentativa perdida dos roteiristas, dado que a equipe criativa não tem ideia do que estabelecer e progredir dramaticamente com a trinca.

Por outro lado, a mudança de abordagem finalmente cumpre a promessa de arco espiritual nos episódios finais. Iniciando com o fantasticamente técnico (paleta de cores bem aquarela e pitoresca e o traçado rústico que transpassam um visual histórico e mitológico de um conto místico antepassado) e narrativamente terno flashback de Wan, a história mergulha na essência do Avatar; compaixão, liderança e luta eterna. A segunda parte do Livro 2 é um épico de forças do bem e do mal, mitologia intrigante e abundante com o conto de Raava e Vaatu, e metáforas espirituais sobre equilíbrio, harmonia e ciclo, típicas do Xintoísmo e Budismo que a série gosta de agregar. Além de que vincula toda a construção mística ao ótimo estudo de personagem de Korra, que, se contra Amon entendeu seu papel natural e político como Avatar, agora atravessa uma transformação interna, controle de emoções e estado de espírito para compreender seu dever espiritual como Avatar, mas principalmente distinguir a si mesma do manto.

Tenho meus probleminhas com algumas escolhas duvidosas do roteiro nessa segunda parte, como a amnésia de Korra e o deus ex machina de Jinora, considerando que são saídas narrativas fáceis e repentinas. Além disso, acontece muita exposição de mitologia, naquele típico problema de falar mais do que mostrar. Todavia, são pormenores em um ato alegórico visualmente deslumbrante, cheio de simbologias, riqueza de detalhes para o lore da franquia e bem alicerçado dramaticamente no arco de Korra. A larga porção da crítica negativa reside mesmo na primeira parte da temporada, mais especificamente em como a narrativa cria conflitos deslocados e mal resolvidos, e, claro, a contínua problemática dos coadjuvantes levianos e sem propósito narrativo. Talvez seja culpa da estrutura anual de Korra, com início, meio e fim de uma história por temporada, enquanto A Lenda de Aang dilui tudo em 3 temporadas, ou então a equipe criativa realmente não tem ideia do que fazer com qualquer personagem que não seja a protagonista (para mim, ambas situações são plausíveis). No mais, temos bons episódios sobre o mundo espiritual do Universo Avatar, mas dissolvidos em um Livro Dois irregular e insatisfatório.

A Lenda de Korra – Livro Dois: Espíritos (The Legend of Korra – Book Two: Spirits) | EUA, 2013
Criado por: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko
Direção: Colin Heck, Ian Graham
Roteiro: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko, Tim Hedrick, Joshua Hamilton
Elenco: Janet Varney, David Faustino, P. J. Byrne, J. K. Simmons, Seychelle Gabriel, Mindy Sterling, Steven Yeun, April Stewart, Jonathan Adams, Adrian LaTourelle, Aubrey Plaza, John Michael Higgins
Duração: 330 min. (14 episódios)

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