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Crítica | A Lenda de Korra – Livro Um: Ar

por Kevin Rick
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A Lenda de Korra, sequência de Avatar: A Lenda de Aang, foi lançada sob completa pressão e expectativa para estar no mesmo nível de um dos melhores cartoons – quiçá o melhor – da história televisiva estadunidense, além de ter a tarefa de tirar o gostinho ruim que ficou nos fãs após a adaptação cinematográfica bisonha de M. Night Shyamalan. Logo, os criadores Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko tinham uma grande responsabilidade com a história de Korra, a sucessora e reencarnação de Aang. Infelizmente – e também felizmente, como vou explicar -, a sequência teve uma recepção extremamente divisiva ao longo de 4 Temporadas. Consequência de várias mudanças drásticas em cenário, personagens, tom e narrativa, A Lenda da Korra tem como principal legado a divergência e estranheza em relação à série original, eu incluído neste grupo que se assustou com a abordagem dessemelhante na primeira vez que assisti. Contudo, após a revisitação, percebi como a proposta dos criadores se baseava em torno de desmistificar o Universo Avatar.

Criar uma sequência para um animação rotulada como praticamente perfeita carrega consigo não apenas expectativas dos fãs, mas um conflito artístico gigantesco em volta do questionamento “como fazer algo novo em uma propriedade conhecida?”. Acredito que a resposta de DiMartino e Konietzko é extremamente corajosa ao simplesmente transformar e deslocar tudo que conhecemos e amamos deste Universo para um quase restart de ambientação. A primeira escolha, e talvez uma das mais erroneamente criticadas pelo fandom, está na modernização deste mundo. Saíram as jornadas de fantasia clássica, a pegada naturalista medieval e o charme de exploração global e cultural, para dar espaço ao steampunk contido da metrópole Republic City. Do minuto que Korra pisa na capital, a série estabelece cruelmente que não estamos embarcando em uma aventura, e sim nas consequências deixadas da unificação global de Aang, seu grande legado de término de guerras culturais evolui-se nas problemáticas que acompanharão sua sucessora: conflitos ideológicos, sociais e políticos, oriundos da liberdade criada por Aang. O mundo progrediu, quer você queira ou não.

E o que é modernização tecnológica se não a subjugação da natureza? Cada aspecto da primeira temporada desmistifica as dobras e os elementos que tornaram a obra famosa. Terra, Água e Fogo não são mais modos de vida ou bases culturais, e sim apenas poderes especiais que são padronizados como modo de trabalho – os policiais dobradores de ferro, por exemplo – ou então modo de produção em indústrias, até utilizados como mero meio de entretenimento, um desenvolvimento que, aliás, se iniciou com os torneios de Toph. Mas, acima de tudo, eles estão se tornando rapidamente obsoletos frente à tecnologia, e, especialmente, a diferença cultural dos Reinos destruída por Aang se configura agora na divergência entre dobradores e não-dobradores. Assim como acontecia em A Lenda de Aang com colonialismo, ditadura e escravidão, A Lenda de Korra utiliza o fantástico para refletir vários problemas reais, como, aqui, nos contornos de nazismo e anarquismo na construção do vilão Amon e seus seguidores, como também o impacto negativo da tecnologia na natureza.

Além disso, vários outros elementos do desenvolvimento criativo da série destacam esta desmistificação do Universo, como a narrativa acontecer majoritariamente em uma única cidade, o encadeamento narrativo é direto e não estruturalmente cheio de “fillers” aventureiros, a trilha sonora clássica e calma sai de cena para escutarmos um jazz frenético, a caracterização mais adulta dos personagens principais e, principalmente, o tom menos infantil da animação na trama de conflitos ideológicos. Dito tudo isso, acredito que o mais importante é que as escolhas corajosas e desafiadoras dos criadores não apenas inovam, como funcionam narrativamente.

A escolha de uma Avatar completamente oposta do meditador e pueril Aang, caracterizada como mal-humorada e bruta – bem mais próxima de Zuko, aliás – cria a melhor dinâmica da série para mim: não estamos em uma jornada espiritual para ficar em paz com seu propósito e destino, mas diante de uma personagem que não tem ideia do seu papel como Avatar. Seria muito fácil para Korra desbravar uma aventura global contra exércitos e um regime ditatorial. Ela ama combate, conflito e justiça com as próprias mãos. E da mesma forma, Aang, um personagem que nunca quis o manto de Avatar – vejam o paralelo da cena inicial de uma alegre Korra sabendo que é a Avatar com a fuga de Aang -, se daria bem melhor em um cenário de paz e politicagem. Logo, as mudanças de ambiente não apenas exercem uma maravilhosa evolução de mitologia, mas servem, mais uma vez, para criar conflito a outra protagonista extremamente interessante. O fato dela não ter qualquer conexão espiritual é a cereja do bolo de uma temporada tirando o foco do místico.

Mas, veja lá, em nenhum momento A Lenda de Korra nega todos esses elementos, mas apenas constrói este novo mundo moderno para desconstruir o espiritual e o natural com um único propósito: demonstrar sua importância em uma realidade mecanizada. O impacto da perda das dobras é elevado pelo desdenho de vários dobradores, até mesmo Korra. A força dominadora da tecnologia e de Amon, mas especialmente a dominação exercida por uma ideologia deturpada, demonstram a verdadeira importância das dobras e do místico. O Universo de Avatar sempre foi sobre aprendizado frente perdas, e aqui os criadores colocam sua própria construção de mundo em xeque para, em um primeiro momento, estabelecer a evolução, com seus prós e contras, e, por fim, arquitetar a narrativa para o desfecho que reafirma a importância elemental, cultural e espiritual perdida. A cena de Korra conectando-se com seu lado místico é extremamente poderosa em solidificar a abordagem.

Ufa, depois desse banho de elogios, eu também vou falar dos meus problemas com a série. Qualquer reclamação de comparação que eu tinha foram destruídas após a revisitação, pois os roteiristas verdadeiramente querem confrontar a base de fãs ao sair do lugar-comum e renovar a narrativa no estilo e no conteúdo, mas eles perdem algo extremamente importante: relacionamentos. Eu sou simplesmente apaixonado por Korra e seu arco de jovem irritada por não encontrar um objetivo ou propósito como Avatar, e também adoro a inserção de Amon, especialmente com sua história de origem e o desenvolvimento de uma dobra que desafia os próprios alicerces da natureza, mas, no restante, não sei… Tenzin e sua família são verdadeiros fofos, mas carregam bem pouco impacto como o legado de Aang e os dobradores de Ar, e Beifong é uma versão mais carrancuda de Toph sem espaço narrativo, mas os verdadeiros problemas estão na trinca de coadjuvantes principais: Bolin, Mako e Asami.

Construir toda uma base de dinâmica destes personagens em volta de desencontros e triângulos amorosos é uma escolha extremamente duvidosa do roteiro. Bolin, se extremamente carismático, recebe o desenvolvimento dramático de um pires, caindo cada vez mais no campo de alívio cômico, enquanto Asami é posta simplesmente como adversária romântica, com um fajuto e pouco utilizado núcleo de decepção parental. Mas os criadores realmente perderam a mão com Mako, um personagem que serve, literalmente, como idealização de Korra e um jovem com dúvidas de quem namora. Todo o relacionamento deles gira em torno de Bolin fazendo piadas com comida, enquanto Mako, Asami e Korra criam seu próprio melodrama apático. A protagonista ainda se sustenta como personagem única, mas seus coadjuvantes apenas orbitam seu arco como pequenos elementos de conflito juvenil de namorico, o que é bizarro ao lembrarmos do ótimo trabalho que os roteiristas fizeram com Katara, Zuko e Sokka.

Por fim, apesar dos pormenores negativos na construção da dinâmica dos personagens, A Lenda de Korra – Livro Um: Ar, como eu incansavelmente já disse, é uma excelente e corajosa sequência ao ter como abordagem a desmistificação de todo um Universo amado por tantas pessoas, para, então, mostrar a importância cultural, natural, espiritual e social que Avatar adora abordar. Moderno, inovador, conflituoso e, principalmente, divisivo, A Lenda de Korra é uma aula artística de resposta para o desafio de conceber algo novo em uma propriedade conhecida.

A Lenda de Korra – Livro Um: Ar (The Legend of Korra – Book One: Air) | EUA, 2012
Criado por: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko
Direção: Joaquim Dos Santos, Ki Hyun Ryu
Roteiro: Michael Dante DiMartino, Bryan Konietzko
Elenco: Janet Varney, David Faustino, P. J. Byrne, J. K. Simmons, Seychelle Gabriel, Mindy Sterling, Kiernan Shipka, Dee Bradley Baker
Duração: 294 min. (12 episódios)

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