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Crítica | A Lagoa Azul

por Luiz Santiago
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Existem filmes que, a despeito de sua qualidade, a gente entende facilmente o por quê de terem impactado tanto uma geração. A Lagoa Azul é um desses filmes. Grande sucesso de público no Brasil, motivo das mais infames piadinhas a respeito de “filmes desconhecidos“, ironia diante da constante repetição da fita pela Rede Globo, este longa é o verdadeiro símbolo da Sessão da Tarde, embora não tenha sido o filme mais exibido no programa (esse prêmio pertence a Ghost – Do Outro Lado da Vida) e é constantemente lembrado por algumas polêmicas — que na verdade não são polêmicas –; além de estar cheio de curiosidades em torno de si, desde o fato de uma nova espécie de iguana ter sido descoberta por causa dele (a Iguana-de-crista-de-Fiji) até boatos sobre aspectos da produção, do romance entre os protagonistas às dificuldades que o diretor Randal Kleiser teve para tirar esse seu projeto dos sonhos do papel.

Baseado no livro homônimo (lançado em 1908) do escritor irlandês Henry De Vere StacpooleThe Blue Lagoon fascina porque é um combo dramático que embrulha elementos de um “Paraíso perdido” com narrativa de amadurecimento aliada a uma versão teen de Adão e Eva. Nela, o aprendizado e o desejo são o grande chamariz, tanto que quando deixa de ser a verdadeira atenção do texto — após a dupla de protagonistas, enfim, perderem a virgindade — o filme não sabe para onde ir. Como consequência, tramas mais que absurdas pipocam na tela e nos levam para um final covardemente bizarro.

Com filmagens em Fiji, Malta, Vanuatu e Jamaica, a obra nos faz acompanhar o crescimento de Emmeline (Brooke Shields, com 14 anos. Suas cenas íntimas e de exposição de algumas partes do corpo foram feitas por uma dublê) e Richard (Christopher Atkins, que tinha 18 anos na época e fez as suas próprias cenas de nudez). Sendo os únicos sobreviventes de um náufrago, juntamente com o engraçado e ao mesmo tempo assertivo Paddy Button (Leo McKern), eles encontram uma ilha que imaginam estar deserta, e passam a viver ali, à espera do resgate que nunca vem. A morte de Paddy serve como uma transformação moral e sentimental para a dupla, e a direção faz um trabalho decente ao mostrar o crescimento dos dois, tanto em idade quanto em pensamentos e atitudes.

O trunfo maior do filme é o trabalho espetacular de Néstor Almendros (recém-saído de O Amor em Fuga e Kramer vs. Kramer) na direção de fotografia, trabalho que lhe rendeu a terceira indicação ao Oscar. Sua captura do espaço com toda a delicadeza possível, assim como dos olhares dos jovens atores, reforçando a comunicação sem a necessidade de muitas palavras faz parte da beleza da fita, intercalada de modo interessante (embora alguns espectadores não gostem dessas intromissões) por cenas fotográficas contando uma “história de vida” e por cenas da flora, fauna e interação dos protagonistas no espaço geográfico, escolha que contribui para as doses de lirismo que a fita nos traz, adicionando outros sentimentos à inocência cada vez mais dissipada.

Ao chegar no momento certo, temos uma cena de sexo com apenas as indicações necessárias, mantendo certa sobriedade e um pouco da doçura vista na relação de Emmeline e Richard. A partir daí, o texto faz toda a questão de indicar a “mordida no fruto proibido“, e então os protagonistas passam a sofrer, descobrindo coisas que os deixam com medo e lidando com situações que o filme não tem sequer tempo de expandir e tornar palatável, como a gravidez de Emmeline e o breve período que acompanhamos o casal cuidar, sem saber cuidar, do recém-nascido. O filme muda de foco em um ponto complicado da duração, e acaba jogando na tela todas as coisas que sabiamente tinha evitado, como a descoberta da tribo nativa ou as estranhas preparações que indicam a saída deles da ilha. Um viajante do futuro diria que parece a 5ª Temporada de LOST, mas é só um roteiro ficando ruim mesmo.

Das muitas formas que poderia finalizar essa caminhada na qual se incorporou inocência, desejo, amor, isolamento e maturidade, aquela que Douglas Day Stewart escolheu certamente foi a mais bizarra. Não bastasse o estranho tom do ato final (que parece ser uma sequência!) o texto ainda escolheu o horrendo gancho com o tubarão e a perda dos remos, para então cair de vez no abismo com o encontro do barco e aquela hedionda frase final “eles só estão dormindo“. Aí o espectador precisa, sem ter ganho nada por isso, escrever o seu próprio roteiro a partir desse momento, tentando encobrir a incoerência em relação às frutinhas vermelhas e arranjando trinta e duas outras desculpas situacionais para tentar dar contexto àquele final.

A Lagoa Azul consegue apresentar um conjunto que nos marca. É como eu disse no começo da crítica, este é o tipo de filme que faz a gente entender o por quê caiu tanto nas graças do público. E a coisa vai além da repetição da obra na TV aberta. Muitas obras se repetiram ao longo dos anos e não tiveram o mesmo impacto. Mas há algo aqui que não deixa o espectador passar incólume. Talvez a nostalgia de algo que um dia tivemos e que através desses olhares inocentes, podemos reviver e sentir diegeticamente por uma parcela de tempo. Aquela sensação que a magia do cinema é capaz de gerar nós e que deixamos para trás, numa aventura de náufragos onde tudo foi mágico… até que alguma outra coisa bateu à porta.

A Lagoa Azul (The Blue Lagoon) — EUA, 1980
Direção: Randal Kleiser
Roteiro: Douglas Day Stewart (baseado na obra de Henry De Vere Stacpoole)
Elenco: Brooke Shields, Christopher Atkins, Leo McKern, William Daniels, Elva Josephson, Glenn Kohan, Alan Hopgood, Gus Mercurio, Jeffrey Kleiser, Bradley Pryce, Chad Timmerman, Gert Jacoby, Alex Hamilton, Richard Evanson
Duração: 104 min.

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