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Crítica | A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica Para Escritores, de Christopher Vogler

Os arquétipos que dominam a composição de narrativas ficcionais.

por Leonardo Campos
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Um clássico que deve ser lido por todos aqueles que almejam a escrita criativa, mesmo com todas as críticas em torno do engessamento de algumas estratégias estabelecidas por seu autor. Assim é A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica Para Escritores, de Christopher Vogler. Como docente de Cinema e Audiovisual, sempre recomendo essa leitura aos meus estudantes, sem deixar, obviamente, de solicitar que a entrega ao compêndio seja lida com rigor e reflexões que compreendam onde as dicas e direcionamentos estabelecidos pelo autor cristalizam formatos e impedem que perspectivas diferenciadas sejam aplicadas. É como pegar uma receita qualquer de um prato que se gosta muito e mudar, para atender ao seu paladar, neste caso, metaforicamente falando, da sua visão criativa. Não é preciso seguir Vogler ao pé da letra, mas respeitá-lo e reconhecer o seu legado e impacto cultural ainda nas narrativas contemporâneas pode ser um caminho para aguçar a intelectualidade e ampliar o repertório cultural.

Ao longo das 488 páginas de uma das edições brasileiras mais recentes, com fluente tradução de Petê Rissatti, publicada pela Editora Aleph, o livro versa sobre um conceito muito importante para quem deseja escrever ou compreender os mecanismos que engendram a produção de narrativas ficcionais. Destaco aqui a força dos arquétipos, elementos fundamentais na arte da narrativa, responsáveis por estruturar a construção de personagens, enredos e simbologias há séculos. Devidamente delineados por Christopher Vogler, os arquétipos podem ser entendidos como padrões simbólicos recorrentes presentes no inconsciente coletivo da humanidade. Surgem de experiências comuns partilhadas ao longo da história e são representações simbólicas de ideias, comportamentos e emoções profundas. Carl Gustav Jung, renomado psiquiatra suíço, introduziu o conceito de arquétipos como imagens inatas da mente humana que moldam nossas percepções e ações. Na ficção, os arquétipos desempenham um papel crucial na criação de personagens e tramas cativantes. Figuras arquetípicas como o herói, a donzela em apuros, o mentor e o vilão são reconhecíveis em diversas culturas e épocas.

Ao incorporar essas figuras simbólicas em suas histórias, os autores estabelecem conexões emocionais e intelectuais com os leitores e espectadores, permitindo a identificação e a empatia que desaguam na catarse. Ler A Jornada do Escritor hoje é entender como a persistência dos arquétipos na ficção pode ser atribuída a diversos fatores. Primeiramente, são padrões que refletem aspectos universais da condição humana, abordando questões existenciais, dilemas morais e emoções primordiais que ressoam em todas as culturas e indivíduos. Ao apresentar personagens arquetípicas, os autores criam um terreno comum onde os leitores podem se ver refletidos e encontrar significados pessoais nas narrativas. Ademais, os arquétipos fornecem estruturas narrativas sólidas e familiares que permitem aos autores explorar temas complexos de forma acessível e envolvente. Ao utilizar figuras arquetípicas, os escritores, dramaturgos e cineastas podem transmitir mensagens profundas e atemporais de uma maneira que ressoa com a audiência. No entanto, essa leitura requer também um posicionamento crítico.

Embora os arquétipos sejam elementos atemporais da narrativa, sua aplicação na ficção contemporânea não é e nem deve ser tão estática. Roteiristas e escritores contemporâneos frequentemente reinventam e subvertem os arquétipos tradicionais para criar personagens e histórias mais complexas e surpreendentes. Essa abordagem inovadora permite a exploração de nuances e contradições dentro dos arquétipos, gerando narrativas mais ricas e realistas. Com a evolução de nossa sociedade, novos arquétipos emergem para refletir as preocupações e valores da sociedade atual, mantendo viva a tradição narrativa enquanto incorporam perspectivas e experiências contemporâneas. Christopher Vogler, renomado autor e consultor de histórias, tornou-se uma figura proeminente no mundo do cinema e da literatura com sua influente, ditando uma série de padrões que se tornaram esquemas básicos para a elaboração de narrativas ficcionais, em especial, no sistema hollywoodiano de produção.

Em sua trajetória, o autor passou grande parte de sua juventude imerso no consumo de histórias de todo tipo, desde filmes ao manancial das lendas mitológicas. Sua paixão pela narrativa o levou a uma carreira na indústria cinematográfica, onde trabalhou como consultor de roteiros para os mencionados estúdios de Hollywood. Foi durante esse período que ele teve a epifania que moldaria sua carreira: a descoberta da estrutura do herói, baseada nos estudos do mitólogo Joseph Campbell. Ao longo do livro e diante de uma breve interpretação de sua contribuição cultural, percebemos que o legado de Vogler reside na interpretação e aplicação prática dos arquétipos míticos de Campbell para a arte da narrativa. No livro em questão, ele descreve os doze estágios da jornada do herói, desde a chamada à aventura até a volta transformadora ao mundo com o “elixir”, um conhecimento ou presente adquirido ao longo da jornada. Essa estrutura se tornou uma bússola essencial para escritores, diretores e artistas, ajudando a criar narrativas envolventes e significativas.

Outro ponto crucial discutido por Vogler em A Jornada do Escritor é a Jornada do Herói, um padrão narrativo recorrente que descreve a jornada épica do protagonista em direção à autodescoberta e transformação. Inspirado pelas teorias de Joseph Campbell sobre o monomito, Vogler desvenda os estágios da jornada do herói, desde a chamada à aventura até a volta ao mundo com o elixir, destacando os desafios e provações que o herói enfrenta ao longo do caminho. A estrutura do monomito não apenas fornece um esquema narrativo eficaz para construir histórias cativantes, mas também reflete a jornada interior que cada pessoa precisa empreender para alcançar a plenitude e a realização pessoal. Ao seguir os passos da jornada do herói, os escritores podem criar narrativas envolventes que não só permitem momentos de entretenimento, mas também inspiram e provocam reflexão sobre nossas próprias jornadas e aspirações. Há tempos, por exemplos, jornalistas tem utilizado o formato na concepção de personagens sociais de suas reportagens. Eu mesmo, caro leitor, já li várias com a estrutura.

Além das eficientes contribuições teóricas, a leitura de A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica Para Escritores é envolvente por sua abordagem prática e acessível. Vogler não apenas descreve a jornada do herói, mas também fornece conselhos práticos e estudos de caso, ilustrando como a estrutura mítica pode ser aplicada a roteiros e histórias de ficção. Sua visão do herói como um arquétipo universal, passível de adaptação a diferentes gêneros e mídias, mostrou-se revolucionária e inspiradora para aspirantes a escritores. Interessante que ao ser lido com o posicionamento crítico antes destacado, podemos perceber que a sua abordagem não se limita apenas a narrativas épicas, mas também se estende a narrativas pessoais e marcas, demonstrando a universalidade e a ressonância emocional da jornada do herói em todas as formas de expressão humana. Caso seja lido com descuido, no entanto, pode levar à formulação excessiva de histórias, onde a originalidade é sacrificada em prol da conformidade com um modelo preestabelecido.

Outro ponto importante é a ideia de universalidade dos arquétipos propostos, geralmente debatido no meio acadêmico, em contrapontos que ressaltam a diversidade de experiências e perspectivas que, em muitos casos, não se encaixam perfeitamente na estrutura da jornada em questão. Independentemente disso, as ressonâncias de seus postulados na arte da narrativa são inegáveis, moldando a forma como contamos histórias e como compreendemos o poder do mito e da simbologia na cultura contemporânea. Sua abordagem meticulosa e apaixonada pela arte de contar histórias é o que nos faz ler as quase 500 páginas de maneira fluente, se identificando com muitos filmes e séries que nós tanto amamos. Em linhas gerais, A Jornada do Escritor é uma leitura que ressoa tanto nos aspirantes a escritores quanto nos leitores ávidos por desvendar os mistérios e as maravilhas das histórias que preenchem os nossos momentos de diletantismo. Ao explorar os arquétipos, a jornada do herói e a estrutura do monomito, Vogler oferece um ponto de vista perspicaz e inspirador sobre a arte da narração e a importância das histórias em nossas vidas. Terminamos com a sensação agradável de que por meio da escrita e da leitura, podemos embarcar em nossa própria jornada do herói, enfrentando desafios, superando obstáculos e emergindo transformados, prontos para compartilhar nossas próprias histórias com o mundo.

Em linhas gerais, A Jornada do Escritor é uma leitura que ressoa tanto nos aspirantes a escritores quanto nos leitores ávidos por desvendar os mistérios e as maravilhas das histórias que preenchem os nossos momentos de diletantismo. Ao explorar os arquétipos, a jornada do herói e a estrutura do monomito, Vogler oferece um ponto de vista perspicaz e inspirador sobre a arte da narração e a importância das histórias em nossas vidas. Terminamos com a sensação agradável de que por meio da escrita e da leitura, podemos embarcar em nossa própria jornada do herói, enfrentando desafios, superando obstáculos e emergindo transformados, prontos para compartilhar nossas próprias histórias com o mundo. Você, que está lendo, consegue perceber se em algum momento de sua jornada cotidiana, teve o monomito estabelecido ao longo da sua resolução de problemas? Algo para pensar, não é mesmo? Reflita e comente.

A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica Para Escritores (The Writer’s Journey: Mythic Structure For Writers) — EUA, 1998
Autor: Christopher Vogler
Tradução: Petê Rissatti
Editora: Aleph
488 páginas

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