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Crítica | A Janela Aberta e Pena de Morte, de Georges Simenon

Crimes perfeitos?

por Luiz Santiago
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Entre 1936 e 1950, o escritor Georges Simenon escreveu vinte e oito contos protagonizados por seu mais icônico personagem, o grande Comissário Jules Maigret. Dezenove desses contos foram lançados entre os anos de 1936 e 1938. Já os contos restantes da lista apareceram na seguinte ordem: um conto por ano publicado entre 1940 e 1942; cinco contos publicados em 1947 e um conto publicado em 1951 (perceba que o ano de publicação difere do ano de escrita). No Brasil, todo esse material foi publicado pela L&PM Editores, dividido em dois volumes. Os contos do presente compilado de críticas podem ser encontrados no Vol.1 da L&PM. Você conhece esses contos? Qual deles acha mais interessante? Deixe os seus comentários ao final da postagem!

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A Janela Aberta

La Fenêtre Ouverte (1936)

  • Publicado pela primeira vez no suplemento Paris-Soir-Dimanche n°46 e 47, respectivamente em 8 e 15 de novembro de 1936.

Simenon sempre gostou de trabalhar com personagens de moral duvidosa ou que são levados, por uma longa sequência de eventos, a agirem de maneira violenta e/ou criminosa; e A Janela Aberta explora um desses casos. Temos em cena um crime de círculo fechado, deixando o processo de investigação mais interessante e fazendo com que busquemos as menores falhas dos suspeitos a cada nova linha lida. Por puro acaso, Maigret acaba se responsabilizando pela execução de um mandado de prisão. Aparentemente, seria uma apreensão rápida e sem maiores problemas. Todavia, acabou se tornando a rápida investigação de um crime inicialmente indicado com suicídio. Desde o momento em que o disparo é ouvido, existe algo que o Comissário percebe, mas que não consegue dizer em palavras — e o autor consegue causar essa mesma sensação no leitor. Dentre as muitas migalhas de pistas que ele vai deixando pelo caminho, há algo importante que nós acreditamos ter notado, mas que não entendemos o que significa. E é justamente na exploração dessa linha indefinida que vem a resposta para o crime.

O fato de lidar com as consequências da 1ª Guerra Mundial para os militares que retornaram é um ponto de destaque na obra. Os protagonistas são homens que estiveram no front e retornaram para casa sem perspectiva, encontrando as coisas piores do que deixaram. Pior ainda: um homem está em situação pior que o outro, e existe um fator de honestidade versus desonestidade que reveste o drama, fazendo com que o assassino, mesmo sem exibir este cartão, tenha “circunstâncias atenuantes” a seu favor. A real é que ambos são pessoas desgraçadas e psicologicamente afetadas pela guerra e pela vida, possuindo alinhamentos éticos e morais bem diferentes. No cotidiano, a disposição de espírito do desonesto acaba permitindo que ele prospere rápido — mesmo que não consiga fazer uma boa administração das finanças e construa todo o seu negócio com base em falcatruas.

Acredito que o maior destaque em A Janela Aberta não seja o assassinato, mas as condições em que ele ocorreu (a dinâmica do crime tem toda uma engenharia e um planejamento de última hora que impressiona o leitor) e a linha de motivações, mais o longo histórico envolvendo a vítima e o assassino. O final é daqueles bem amargurados, quase patéticos, que deixam o leitor com dó do prisioneiro, embora saiba que a morte, mais dia menos dia, iria acabar chegando para o infeliz, talvez com muito mais agonia.

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Pena de Morte

Peine de Mort (1936)

  • Publicado pela primeira vez no suplemento Paris-Soir-Dimanche n°47 e 48, respectivamente em 15 e 22 de novembro de 1936.

Neste conto, Simenon cria um personagem odioso, metido a esperto e com um risinho de deboche no rosto que enerva o leitor a cada novo parágrafo. O jovem Jehan d’Oulmont concentra uma série de características que já vimos em obras anteriores do autor, como Pietr, o Letão (1931) e A Dançarina do Cabaré (1931), ora se portando como alguém que não leva Maigret e o processo jurídico a sério; ora agindo de maneira nervosa e empalidecendo ou mal disfarçando as feições de esgotamento com o passar dos dias. É uma história onde o Comissário precisa aplicar a “receita da canseira” no criminoso, tentando vencê-lo pelo lado emocional, esgotando a bateria social do jovem e sua amante, fazendo-os perceber que estavam sendo seguidos o tempo todo e que essa perseguição jamais irá cessar… até que Maigret tivesse o que queria.

A sequência de interrogatório, no meio do conto, é muito interessante. Nela, vemos o autor disfarçar toda a apresentação didática dos fatos e, ao mesmo tempo, dar ao leitor uma visão muito clara de quem é Jehan. É neste ponto que a nossa opinião sobre ele se forma (ao menos em relação ao seu caráter), mas curiosamente não vemos o texto forçar pistas ou culpa direta ao personagem, deixando o leitor seguir com o seu próprio julgamento. Este bloco serve mais como construção psicológica do indivíduo e de toda a problemática que o cerca. Pouco tempo depois é que isso muda, quando o narrador passa a revelar as suspeitas de Maigret e fechar o cerco das indicações sobre o crime. Em termos de estilo, é uma abordagem corrida, diferente da excelente e compassada descrição do processo de fuga e viagem de trem que compõe toda a primeira parte do enredo.

Disse, no início, que o protagonista é o tipo de pessoa “metida a esperta“. Isto é algo que me irrita muito em personagens criminosos, especialmente quando riem da polícia, mesmo estando em uma situação de desvantagem. É exatamente isso que acontece no final de Pena de Morte. Aqui, o autor não discute esse tipo de pena, criticamente falando. Mas indica os impasses do processo jurídico, e vemos isso acontecer numa perspectiva bem diferente, no encerramento da história. Eu não esperava que as últimas cenas tivessem uma carga tão intensa, um suspense mais marcante. Mas, em seu andamento, até parece que falta alguma coisa, que existe algo jamais dito/descrito. No entanto, o “golpe de sorte” da polícia francesa tem suas limitações, perdendo-se na burocracia legal da Bélgica, o que talvez traga a citada sensação de que falta algo. É um final relativamente oco. Mas não é ruim.

Todos os Contos de Mairget – Volume 1 (Tout Maigret – Les Nouvelles) – França, 2007
Autor: Georges Simenon
Publicação original: Simenon Limited, a Chorion Company
No Brasil: L&PM Editores (2009)
Tradução: Myriam Campello, Julia da Rosa Simões
391 páginas

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