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Crítica | A Identidade Bourne

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Obs: Leia a crítica de todos os demais filmes da série: franquia Bourne. Crítica originalmente publicada em 03 de setembro de 2012.

Em 2002, dois importantes filmes de espião foram lançados: 007 – Um Novo Dia Para Morrer e A Identidade Bourne. O primeiro, a 20ª edição da franquia 007 e, o segundo, o primeiro filme de uma nova série, baseada livremente no livro homônimo do autor norte-americano Robert Ludlum.

Enquanto o que vimos em 007 foram os efeitos especiais sufocando os personagens e a história, em Bourne testemunhamos o contrário: os efeitos especiais foram esparsos, com muito destaque para efeitos práticos e a história e personagens ficaram em primeiro plano. É como se Bourne representasse – e, na verdade, representou – uma volta à forma do filme de espião que até a franquia de 007 havia perdido. A Identidade Bourne, como defendem alguns, talvez tenha sido uma das principais razões para a mudança de tom na série do espião britânico, com a escalação de um ator atípico (Daniel Craig) e roteiros mais humanizados.

A Identidade Bourne, por si só, foi uma aposta interessante da Universal Studios. O diretor, Doug Liman, à época, não tinha um currículo muito extenso e, dos três longas que havia dirigido, nenhum era realmente filme de ação. Matt Damon, apesar de vários papéis anteriores interessantes, nenhum se encaixava no perfil bastante peculiar de “herói de ação”. Nem mesmo o físico do ator era muito relacionado com as exigências do protagonista que viria a encarnar.

Mas a Universal jogou os dados e, com um roteiro bem amarrado escrito por Tony Gilroy (que havia feito Advogado do Diabo, Armaggedon, Prova de Vida e outros) e W. Blake Herron, iniciou uma consistente e excitante nova franquia que viria a ser adorada pelo público. Saem os gadgets, roupas bem cortadas e tramas mirabolantes e entram as habilidades físicas, roupas comuns e tramas bem desenvolvidas, sem apelo para tentativas de “dominação do mundo”.

O filme abre com uma breve tomada subaquática (que viria a se tornar uma imagem recorrente na franquia) em que vemos um corpo de um homem boiando na água. Resgatado por pescadores franceses, balas são retiradas de suas costas e um chip contendo informações de um banco suíço é extraído de seu quadril. Quando o homem acorda, descobrimos que ele não tem memórias de quem é e sua única conexão com o passado é o tal chip. Com trocados no bolso e roupas rasgadas no corpo, o homem parte para descobrir quem ele é e nós vamos juntos, jogados no mistério cegamente assim como o personagem.

A progressão das descobertas que Jason Bourne (Matt Damon) faz é parte integral da estrutura do filme. Tudo vai acontecendo de maneira lógica, sem desnecessários saltos imaginativos. É bem verdade que, com a presença de Conklin (Chris Cooper) e Ward Abbott (Brian Cox) logo no início da trama, sabemos o que esperar das investigações do desmemoriado Bourne, mas esse processo de autodescoberta, que ele faz junto com a desavisada Marie (Franka Potente), aliciada logo no início de sua fuga pelo mundo, é muito bem conduzido por Liman em uma narrativa clara que não depende de explicações verbais detalhadas.

Mas talvez o aspecto mais intrigante do roteiro seja a filosofia que o perpassa. Quem é Jason Bourne? Uma máquina de matar sob o comando da CIA ou um ser humano comum, com aspirações de encontrar amor e ter uma família? Será que Bourne (nós, na verdade) pode rejeitar quem é ou reverter para uma versão sua anterior a determinados eventos traumáticos? Essas perguntas, que são efetiva e satisfatoriamente abordadas no filme, podem gerar profícuas discussões intermináveis. E essas mesmas perguntas dão uma profundidade à Bourne que não estamos acostumados a ver neste tipo de filme. Lidamos com um personagem perturbado, conflituoso ao extremo, sem saber se ele realmente quer descobrir quem ele é, apesar da cadeia de eventos que o envolve ser inevitável. Jason Bourne está preso em sua própria existência, mas quer loucamente escapar e ser livre para viver sua vida da maneira que bem entender.

E todas essas questões, que são bem presentes na película, estão lado-a-lado com a ação frenética, bem escrita por Gilroy e magistralmente executada por Liman com cortes rápidos, mas claros e uma câmera que, quando está com Bourne, só nos revela aquilo que é mostrado ao personagem, deixando-nos às escuras como o protagonista. Isso serve para mostrar que filmes de ação não precisam ser só ação. Podem ter cérebro também.

As atuações dos atores que formam o par principal são perfeitas para o que se exige de papéis assim. Matt Damon é um herói falho, relutante e, principalmente, angustiado. É visível a exasperação no rosto do ator a cada nova descoberta e é fantástico ver sua evolução de um completo “zé ninguém” até um eficiente agente secreto em plena forma. Damon nos convence que essa conversão é realmente possível e até provável. Franka Potente, cuja personagem que vive é envolvida no tsunami da vida de Jason Bourne, também nos brinda com uma atuação evolutiva muito natural, mesmo quando lida com a inevitável conexão amorosa que ocorre em menos de 24 horas de quando eles se conhecem. Aceitamos o que vemos porque entendemos que tanto Bourne quanto Marie querem ser pessoas comuns, como todos nós e, dessa forma, são falhos e caem em tentação. Além disso, eles verdadeiramente precisam um do outro.

A Identidade Bourne, de certa forma, ajudou a reinventar e revitalizar o gênero de espionagem galgando os passos de seus antecessores, mas construindo uma linguagem própria, com personagens e tramas inteligentes que são muito mais do que parecem ser em uma primeira análise.

A Identidade Bourne (The Bourne Identity, Estados Unidos/Alemanha/República Tcheca, 2002)
Direção: Doug Liman
Roteiro: Tony Gilroy, W. Blake Herron
Elenco: Matt Damon, Franka Potente, Chris Cooper, Clive Owen, Brian Cox, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Gabriel Mann, Walton Goggins, Josh Hamilton, Julia Stiles, Orso Maria Guerrini, Tim Dutton, Denis Braccini, Nicky Naudé
Duração:  119 min.

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