Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | A Hora do Espanto (1985)

Crítica | A Hora do Espanto (1985)

O “terrir” antes de Pânico.

por Iann Jeliel
4,4K views

No meio da década de oitenta, na contramão da tendência dos assassinos mascarados, Tom Holland (não, não é aquele ator que vive o Homem-Aranha) voltava no tempo aos monstros clássicos, reestruturando o conceito do vampiro clássico (que futuramente seria o vampiro sedutor e romântico dos anos noventa) em tom de paródia, antes dela virar moda no terror com Pânico, de Wes Craven, na década seguinte. Uma paródia que assim como o exemplo citado, não anula seu teor assustador ou debocha cinicamente do gênero a que pertence. Pelo contrário, A Hora do Espanto, referência o passado visto orgulhosamente como “zuado” – o personagem Peter Vincent (Roddy McDowall) sendo essa clara homenagem aos dois atores mais célebres dos tempos dominantes da Universal: Peter Cushing e Vincent Price – e criativamente dá seu jeito de acoplá-lo às tendências do momento para lhes oferecer um novo frescor.

A premissa de um adolescente fanático por filmes de terror – Charley Brewster (William Ragsdale) – vigiar seu vizinho – Jerry Dandrige (Chris Sarandon) – com suspeita de ser um vampiro é basicamente o universo high-school nerd da discoteca à la John Hughes encontrando no voyerismohitchckociano” – Janela Indiscreta em especial – uma ponte para trazer os vampiros como  os novos assassinos slasher. Isso porque a suspeita de Charlie nunca é uma dúvida para o público. A tensão se instaura a partir de uma espécie de jogo psicológico dos dois, em que Charlie luta para provar (nas dificuldades de ser acreditado pelo seu estereótipo de nerd recluso) que seu vizinho é realmente um vampiro, enquanto ele o persegue tentando não revelar sua verdadeira natureza a outros inocentes. Ora, mas os vampiros se importam em matar inocentes? Holland, ao imaginar o clássico monstro no cenário “moderno” do subúrbio, nos detalhes, começa a subverter um pouco de suas características convencionais numa contextualização “verossímil” de como agiriam no ambiente.

Ainda que a maioria dessas características sejam preservadas – o caixão, a transformação em morcego, o não-reflexo no espelho; só entrar numa casa se for convidado pelo proprietário; fraqueza com a luz do dia –, a ideia vinda das telas sobre a  conscientização dos personagens acerca da mitologia vampírica tornou as criaturas mais vulneráveis, portanto, o vampiro contemporâneo precisa ser mais esperto para despertar perigo nos becos americanos. Uma inteligência sedutora mais realista (ainda que com o auxílio do poder de hipnose), numa forma carismática de se aproximar, manipular e atrair as vítimas com “consentimento”. Contudo, para o resgate de um gênero tão explícito quanto o de monstros, para outro igualmente explícito como slasher, era necessário também apostar num novo conceito visual, sem capas ou presas, que fosse assustador para o momento. Tal conceito foi levado essencialmente ao transmorfo, à deterioração da carne para revelar o monstro. É uma espécie de híbrido com Lobisomem que funciona perfeitamente pelo icônico trabalho de maquiagem claramente inspirado nas técnicas utilizadas em Um Lobisomem Americano em Londres, puxando A Hora do Espanto também para o  body horror com competência.

Os efeitos práticos são emblemáticos, deixando cada um dos outros vampiros que aparecem com uma caracterização particular, praticamente só vista nesse filme. O mito do conde Drácula/Nosferatu de Bram Stoker, no entanto, não é esquecido nas alusões geradas pela motivação de Jerry, que não mata inocentes gratuitamente, muito porque busca somente encontrar uma “noiva” para poder conviver em “paz”. Digo isso, pois, reparem como a relação com o amigo que mora em sua casa – Billy Coen (Jonathan Stark) – insinua uma tensão sexual homoafetiva. Há um forte subtexto a se extrair daí, não só da homossexualidade como sinônimo de monstruosidade, mas pelo fato dessa busca pela noiva – que acaba sendo a namorada virgem do protagonista, Amy (Amanda Bearse) –, ser um mero subterfúgio à continuidade do ser vampiro, uma vez que o histórico do personagem com seu antigo amor (teoricamente Amy se pareceria com ela), nunca é explorado.

Pode ser até só uma referência, mas existe a intenção do diretor em utilizá-las com  toques de metalinguagem para disfarçar suas mensagens subliminares. Sejam essas mensagens meras subversões de elementos do exercício de gênero na comédia (a atmosfera de paródia), trazendo mais divertimento e um sentimento de leveza ao “terrir”, seja para insinuar reflexões contemporâneas quando repensa as representações antiquadas de certos estereótipos do cinema de terror num cenário cada vez mais contemporâneo. A Hora do Espanto não foi exatamente precursor de nada, mas ele foi fundamental para revitalizar a cultura vampiresca na jovialidade, garantindo as criaturas no boca-boca de outras gerações, além de ser um dos grandes exemplares ali surgidos para demonstrar o poder do humor em conjunto com o terror. Uma pérola que merece sempre ser revisitada.

A Hora do Espanto (Fright Night | EUA, 1985)
Direção: Tom Holland
Roteiro: Tom Holland
Elenco: Chris Sarandon, William Ragsdale, Amanda Bearse, Roddy McDowall, Stephen Geoffreys, Jonathan Stark, Dorothy Fielding, Art Evans, Stewart Stern, Nick Savage, Ernie Holmes, Heidi Sorenson, Irina Irvine, Bob Corff, Pamela Brown, Chris Hendrie, Prince Hughes
Duração: 106 minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais