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Crítica | A História do Mundo – Parte I

por Ritter Fan
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Alguma hora a coisa tinha que desandar e, cinco anos depois do ótimo Alta Ansiedade, o humor de Mel Brooks, desta vez escrevendo sozinho o roteiro, demonstra queda significativa de qualidade em A História do Mundo – Parte I, longa composto de esquetes tratando do tema do título que permite um passeio temporal da Idade da Pedra à Revolução Francesa, passando pelo Velho Testamento, Império Romano e Inquisição Espanhola, compostas, cada uma delas, de esquetes menores, mas, em sua maioria, sem inspiração. Apesar de potencialmente ser lembrado como um filme de qualidade por aqueles que, como eu, o assistiram no lançamento, a grande verdade é que esse é o Brooks mais insosso – na verdade, o único verdadeiramente ruim – até esse ponto da carreira do cineasta.

Com exceção do ótimo número musical no curto segmento da Inquisição Espanhola em que Brooks, como Tomás de Torquemada, lidera um variado e bem bolado número musical com muita tortura e ousadias religiosas, o restante é baseado quase que exclusivamente em piadas envolvendo órgão genitais e mulheres voluptuosas, da masturbação coletiva na Aurora do Homem que satiriza a mesma sequência de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, até o libidinoso Rei Louis XVI que não pode ver mulher e já quer uma orgia, em uma repetição temática cansativa e que só deve realmente funcionar para meninos pré-adolescentes vendo o longa escondido dos pais na casa de um deles.

Mesmo considerando a qualidade dos cenários e dos figurinos, com direito a um ótimo uso de elaboradas pinturas matte para complementar panos de fundo que reproduzem a Roma antiga ou o interior de um castelo medieval na Espanha e a presença de todo o elenco de praxe de Brooks, com diversos convidados, dentre eles destacando-se Gregory Hines como o escravo Josephus e John Hurt como Jesus Cristo, além de, claro, a potente narração de Orson Welles em sua triste fase final de carreira como narrador/voz dos mais variados filmes, incluindo Transformers: O Filme, o longa simplesmente se desintegra em razão de sua própria estrutura fragmentada e de um humor que não consegue tirar sequer sorrisos dos espectadores que não forem os tais pré-adolescentes que citei ou, claro, adultos bêbados tentando relembrar a pré-adolescência.

Diria que o próprio Brooks, vivendo múltiplos papeis, perdeu a oportunidade mais uma vez – como foi no caso do longa anterior – de possivelmente colocar mais alguém no protagonismo, talvez o próprio Gene Wilder cujas performances inegavelmente ajudaram o começo da carreira do diretor, o que pelo menos criaria uma latitude interpretativa maior, talvez até colocando Brooks e Wilder em oposição em alguns momentos. Infelizmente, porém, Brooks parece enamorado consigo mesmo, sem querer distanciar-se de seu lado ator que, temos que convir, nunca foi assim tão excepcional ou mesmo engraçado. Não que algo assim curasse o problema maior do filme, já que ele repousa no roteiro e não exatamente no trabalho dramático, mas no mínimo dos mínimos abriria espaço para que as mesmas piadas tivessem outros sabores ou, francamente, algum sabor.

Não que não se possa genuinamente gostar de A História do Mundo – Parte I, claro, pois especialmente humor carrega um grau de subjetividade maior do que os demais gêneros cinematográficos, com o filme inclusive provavelmente sendo o guilty pleasure de muita gente, mas pelo menos em termos comparativos com as obras anteriormente dirigidas por Brooks, o que se percebe é um roteiro que parece não saber sair da estrutura Saturday Night Live e da temática cansada e repetida. É como ver diversos episódios de uma série de humor que usa o pano de fundo da história do mundo como mera desculpa para contar quase que exatamente a mesma piada toda vez, só que em diferentes épocas e, claro, com diferentes cenários e diferentes figurinos.

A História do Mundo – Parte I  é a primeira grande bola fora de Mel Brooks na direção e roteiro, com um filme que prometia muita variedade já que tinha literalmente milhões de anos de História para gerar passagens cômicas, mas que só entrega a mesma coisa em diversas embalagens diferentes. Não tenho dúvida que a História do Mundo poderia ter oferecido muito mais risadas do que o que Brooks acaba gerando aqui, em muitos e muitos casos sequer sendo necessário realmente fazer esforço para satirizar o que a Humanidade já conseguiu fazer de tragicômico por aí.

A História do Mundo – Parte I (History of the World: Part I – EUA, 1981)
Direção: Mel Brooks
Roteiro: Mel Brooks
Elenco: Mel Brooks, Dom DeLuise, Madeline Kahn, Harvey Korman, Cloris Leachman, Ron Carey, Gregory Hines, Pamela Stephenson, Shecky Greene, Sid Caesar, Mary-Margaret Humes, Orson Welles, Carl Reiner, Howard Morris, Charlie Callas, Paul Mazursky, Henny Youngman, Hugh Hefner, Barry Levinson, John Myhers, John Hurt, Bea Arthur, Ronny Graham, Pat McCormick, Andreas Voutsinas, Spike Milligan, John Hillerman, Andrew Sachs, Fiona Richmond, Nigel Hawthorne, Bella Emberg
Duração: 92 min.

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