É obvio que ao se deparar com o documentário A Pixar Story hoje, trata-se de um material incompleto, pois é daquele tipo de documentário que conta uma história que ainda terá muitos capítulos pela frente. Contudo, essa incompletude também está referente à abordagem do próprio recorte de tempo que ele se propõe a contar: o surgimento da Pixar e sua crescente como estúdio independente ao longo dos anos, até a compra pela Disney, bem próximo da finalização do documentário.
Um recorte amplo, é verdade, mesmo assim, acredito que poderia, na mesma duração, ter mais conteúdo do que apresenta, especialmente considerando a riqueza de algumas imagens separadas – de certa raridade – para compor sua narrativa. A montagem dos acontecimentos é bastante resumida e nem parece culpa da falta de tempo, é a intenção de fazer uma dinâmica entretiva ao telespectador, elaborando uma espécie de arco cinematográfico sobre os entrevistados para criar uma proximidade entre eles e o público da forma mais manjada possível, incentivando um moralismo padrão e utópico de que sonhos, projetos independentes parecidos com que a empresa foi um dia, podem dar certo de forma simplória como particularmente parece que o documentário acredita.
O que é estranho porque seu caráter conservador traz à tona um caráter preservista, que aposta suas fichas nas imagens raras e remasterizadas de bastidores no decorrer da fundação da Pixar e abraça o discurso da empresa como especial, a primeira responsável por compor animações completamente tridimensionais. A parte mais interessante do documentário certamente está nesse trecho da meia hora inicial, que didatiza não só a evolução dos efeitos digitais tridimensionais nos processos iniciais das animações da Pixar como também na indústria como todo. Um dos poucos detalhismos que mesmo passados corriqueira mente compensam a grade de conteúdo que no geral pode ser encontrada – tirando a exclusividade das imagens – em qualquer vídeo mais bem produzido no Youtube.
A intenção aqui não é exatamente trazer a completude da informação, mas elaborá-la de um modo aproximado, envolvente. Existem entrecortes que realizam até pausas dramáticas, criando uma tensão quando estão contando algo que dera errado, em outras vezes, eles criam uma ludicidade quando contam algo que dera certo. É algo realmente bem conveniente para o momento, parece às vezes ficcional tamanha a obviedade do discurso, e talvez seja essa a intenção porque acaba por valorizar o lado especial da empresa, fazendo o público admirá-lo, mas também o fazendo acreditar que é possível chegar aonde eles chegaram, porque parte do discurso do filme se relaciona à empresa e a sua ideia que desde o início parece ter sido bem liberta de pressões mercadológicas, visando o criativo pessoal em suas animações.
Os depoimentos de Lasseter são bastante significativos nesse sentido. A criação de Toy Story e Vida de Inseto se comporta claramente como devaneios de um desejo mais tecnicista do que necessariamente autoral em narrativa. Tanto que foram os filmes que mais tiveram problemas de produção porque praticamente o script se resolvia ao longo das possibilidades tecnológicas. Aí, méritos de Lasseter que sob pressão de dois sucessos estrondosos, encontrou no abraçar emocional do arco de Jessie, em Toy Story 2, uma acidental marca da empresa dali para frente, em que seus universos, inicialmente pensados pelo incentivo de atingir novos limites técnicos, encontraram sua alma como histórias para todos os públicos.
Gosto de que esse lado mais honesto da autoralidade circunstancial da Pixar não seja escondido pelo documentário e acho perfeitamente plausível isso se relacionar em conjunto com esse respaldo de liberdade mais pessoal de outros autores, como foi o caso de Pete Docter em Monstros S.A, Andrew Stanton em Procurando Nemo, Brad Bird em Os Incríveis e o próprio Lasseter em Carros, que se demonstra um filme bem mais ao seu modo do que Toy Story jamais foi. No mais, apesar da incompletude informativa, o documentário entrega o suficiente para a compreensão do espírito que levou a Pixar a ser a Pixar que conhecemos.
A História da Pixar (The Pixar Story | EUA, 2007)
Direção: Leslie Iwerks
Roteiro: Leslie Iwerks
Elenco: Andrew Stanton, Brad Bird, Dennis Muren, Don Hahn, Frank Thomas, George Lucas, Joe Ranft, John Lasseter, John Musker, Ollie Johnston, Pete Docter, Ron Clements, Stacy Keach, Steve Jobs, Tim Allen, Tom Hanks, Walt Disney
Duração: 93 minutos