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Crítica | A Guerra dos Cachorros, de José Antônio Severo

Cachorros assassinos abalam São Paulo, numa jornada de horror e pânico.

por Leonardo Campos
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Os melhores amigos da humanidade estão ferozes e mortais em A Guerra dos Cachorros, romance publicado pelo editor, escritor e jornalista José Antônio Severo, uma figura renomada no campo da comunicação brasileira, tendo passado por diversos veículos badalados, além da ampliação de sua visão de mundo em outros cargos e funções profissionais. Aqui, ao longo das 190 páginas que mesclam violência, entraves de poder, relacionamentos se desfazendo em paralelo aos novos amores e uma horda de cães assassinos, o autor expõe uma situação absurda para deflagrar a relação dos seres humanos com a natureza. Publicado em 1983, o romance escrito em menos de um mês foi inspirado em dois pontos de partida: primeiro, nas histórias de cães selvagens que dizimavam regiões do campo no Rio Grande do Sul primitivo e segundo, numa cadela que atravessou pela rua próxima ao lar do escritor, seguida de uma curiosa matilha que transmitiam uma aura de obediência. Grato ao Marcos, nome que estampa a epígrafe do livro, alguém que teria lhe dado subsídios para a extensão do “argumento”, Severo desenvolve a história com alguns momentos de muita fragmentação, prejudicial para o que se propõe a contar, basicamente, a saga de cães em busca de comida, criaturas que da noite para o dia, se tornam máquinas de matar, aleatoriamente, sendo combatidos por um grupo de personagens que pretende reestabelecer a ordem, estrutura básica das narrativas que compõem o horror ecológico.

Maria Cecília e Setúbal são os personagens mais recorrentes do romance. Ela é a jornalista que se propõe a cobrir os ataques dos cachorros e ele é o militar responsável por investigar e encontrar, juntamente com seus pares profissionais, a resolução para a atmosfera de violência, horror e morte perpetrada pelos animais assassinos, perigosamente astutos e organizados numa revolução sangrenta que começa com a morte de uma pessoa em situação de rua. Experimentada a carne humana, agora era a hora de expandir o teste e transformar os homens, mulheres e crianças da cidade em alimento. Sem poupar pequeninos, idosos ou qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade, os caninos do romance são monstros agressivos e perigosos parte de um fenômeno que ninguém consegue explicar cabalmente. As pessoas apenas tentam sobreviver e esperar que o painel de monstruosidades acabe logo, mas o pesadelo parece não ter fim.

O militar, em conflito por causa da crise em seu casamento com Mirian, precisa se distanciar os problemas familiares para garantir, primeiro, a sobrevivência dos filhos, da ex-esposa e da nova namorada, Maria Cecília, astuta jornalista que vai em busca da verdade, mergulha profundamente na história e passa por momentos de misoginia considerável, ao ter que lidar com as artimanhas do poder coercitivo estatal, além das posturas de Setúbal, nalguns momentos, muito machistas e decepcionantes. Neste clima de hostilidade e histeria, personagens são mortos impiedosamente, destroçados pelos cães no auge da selvageria, situados em ambientes urbanos tomados pelo pânico e sensação de desesperança diante da falta de explicações científicas cabíveis para o tal fenômeno. A cada capítulo, a resolução parece distante, com uma trilha de corpos que se modifica ao passo que o final se aproxima e os cães, em guerra, parecem mudar de comportamento.

Curioso e violento, A Guerra dos Cachorros é um romance escrito por alguém que se destaca por provavelmente estar bastante excitado sexualmente em diversas passagens do livro. O detalhismo da penetração, movimento, quantidade de líquido ejaculado, suor, gemidos e outras peculiaridades estão dispostos no desenvolvimento da história. Vai do sexo bem realizado e prazeroso do militar protagonista e herói da história, ora com a jornalista com função de nova namorada, ora num momento de deslize com a ex-esposa que no desfecho, volta a ser parte de sua vida, numa trajetória que deixa claro que além do tenebroso pesadelo com os cães, os valores familiares são muito mais importantes que qualquer fuga para um recomeço diante daquilo que tem dado sempre errado. Ademais, ainda sobre a questão sexual, José Antônio Severo parece urrar com as passagens que delineiam os abusos sofridos pela jornalista estuprada, humilhada e torturada durante um momento específico próximo ao final, trecho com descrições pormenorizadas que não transmitem um ponto de vista de incomodo, mas parece buscar ereções por parte dos leitores. Irônica e até risível de tão abrupta é a maneira como esta mesma personagem é estraçalhada pelos cães, depois de tanto batalhar pelo bem comum. Confesso não compreender exatamente as intenções deste escritor, mas assumo que foram polêmicas as suas escolhas narrativas.4

A Guerra dos Cachorros (Brasil, 1983)
Autor: José Antônio Severo
Editora no Brasil: LPM
Páginas: 190

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