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Crítica | A Garota da Agulha

Um filme para incomodar.

por Ritter Fan
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É consideravelmente rara a produção de filmes que lidam com a miséria das pessoas comuns na Europa durante a Primeira Guerra Mundial, ou seja, que tenha a guerra apenas como pano de fundo, mas mantendo o foco naqueles que não lutaram nela. A Garota da Agulha, portanto, vem para preencher essa “lacuna”, lidando com o triste cotidiano de Karoline (Vic Carmen Sonne), em Copenhague, na Dinamarca, país que sequer oficialmente entrou no conflito. Mas o longa de Magnus von Horn é, igualmente, uma espécie de “dois em um” audiovisual, já que a história da protagonista inteiramente fictícia funde-se, em determinado ponto, com à de Dagmar Overbye (Trine Dyrholm), infame assassina em série da época cuja história é bem conhecida por lá.

Mas comecemos por Karoline. Trabalhando em uma fábrica de roupas, a protagonista não tem notícias do marido, que se alistara para lutar na guerra, há mais de um ano e, em um misto de desespero por ter sido despejada e oportunidade, por perceber que o dono da fábrica se interessara por ela, passa a ter um relacionamento com ele, o que a leva a engravidar. O que segue, daí, é uma espiral ainda mais intensa de pura dor e miséria que a leva à esfera de influência de Dagmar, que promete encontrar um bom lar para o bebê, o que só amplifica os horrores que são descortinados em uma excelente, mas angustiante cadência de queima lenta que não poupa o espectador de absolutamente nada. Mas é importante compreender, para aqueles que esperarem um filme sobre a referida serial killer, que A Garota da Agulha não tem esse feitio e o foco permanece constantemente em Karoline.

A primeira coisa que chama atenção é a transformação de Vic Carmen Sonne, uma bela atriz, em sua versão completamente sem glamour, com dentes tortos, cabelos desgrenhados, uma leve corcunda e uma linguagem corporal que transmite fragilidade, em um resultado que não só é realista, especialmente para a época, como parece perfeitamente natural. Esse é o primeiro sinal de que a produção não tem intenção alguma em lidar com beleza, algo que o design de produção de Jagna Dobesz, a direção de arte de Ristergren Albistur Lisette e Ewa Mroczkowska e a direção de fotografia em preto e branco de Michal Dymek elevam ao patamar de arte, mas uma arte suja, feia, deprimente, que tem o poder de subsumir toda uma era no continente europeu. Até mesmo o pouco que vemos da aristocracia local, quando Karoline é convidada à mansão onde mora seu amante rico, é de uma qualidade inquietante, com o pouco de real beleza sendo manchada pelas ações que lá acontecem.

Pode-se dizer que o longa de Magnus von Horn refestela-se na miséria, pois essa não seria uma descrição injusta, mas o que o cineasta tenta fazer é ser honesto, é olhar para uma era em uma capital europeia hoje considerada por muitos como uma das melhores cidades do continente sem filtros, sem embelezamentos e, mais do que tudo isso, sem enganar ninguém. O que vemos é um bem trabalhado recorte de uma época pouco mais de 100 anos atrás que revela muito mais do que abordagens de cima para baixo, a partir da aristocracia, algo que continua sendo verdadeiro – em maiores e menores graus, claro – tanto lá como também em grande parte das grandes cidades do mundo. Tenho para mim, porém, que a inclusão do “filme dentro do filme”, ou seja, da história de Dagmar, mesmo que consideravelmente inserido na lógica estabelecida e, ainda bem, de maneira subserviente à narrativa centrada em Karoline, não era essencial. Havia material suficiente para que a história se sustentasse sem o uso de uma personagem histórica local conhecida que, inegavelmente, serve de atrativo mais comercial, mesmo que a pegada do roteiro e da direção continue genuína.

No entanto, A Garota da Agulha é um filme poderoso, ainda que difícil e desagradável de se ver, pois ele não é mesmo feito para ser simpático. Mesmo não exatamente querendo, não há nada como ver verdades que incomodam, que nos fazem contorcer na cadeira do cinema e torcer para que o filme acabe logo, o que, aqui, é uma característica positiva e mais do que desejada pela produção.

A Garota da Agulha (Pigen med Nålen – Dinamarca/Polônia/Suécia, 2024)
Direção: Magnus von Horn
Roteiro: Line Langebek Knudsen, Magnus von Horn
Elenco: Vic Carmen Sonne, Trine Dyrholm, Besir Zeciri, Joachim Fjelstrup, Tessa Hoder, Avo Knox Martin, Anders Hove, Ari Alexander
Duração: 115 min.

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