Mais de duas décadas após o primeiro filme, as galinhas mais amadas, aventureiras e engajadas do cinema estão de volta, numa trama que consegue manter a atmosfera lúdica de seu ponto de partida, além de equilibrar bem as suas críticas sociais. Lançado em 2000, A Fuga das Galinhas nos apresentou um ousado projeto em stop motion sobre a trupe de galináceos de Ginger, um ser antropomorfizado que se cansou das crueldades da granja em que vivia e organizou, por meio de uma liderança firme e democrática, a saída do local que a destinava, juntamente com os seus amigos, a se tornar alimento dos seres humanos. É assim, por sinal, que o novo filme estabelece o seu preâmbulo. Somos apresentados ao passado dos personagens, com destaque para os seus atos heroicos, numa abertura que delineia também onde estão todos na atualidade e em que paragens andam os seus antagonistas. São informações importantes para que a nova história se desenvolva ao longo dos 101 minutos de A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets, uma animação cheia de carisma e diálogos inteligentes.
Dirigido por Sam Fell, realizador que assume o texto de Karey Kirkpatrick, John O’Farrell e Rachel Turnard, esta continuação não é inovadora, nem acredito que tenha que ser esse caminho da invenção desmesurada a garantia de uma boa nova história. Se vamos conferir uma empreitada com tais personagens, já sabemos que na sessão, lidaremos com figuras ficcionais inteligentes, numa narrativa com “cara” de filme infantil, mas estrutura reflexiva bastante adulta, algo que tornou o primeiro um clássico moderno. Desta vez, a jornada não é extraordinária, mas não deixa de ser coesa, apresentar dinamismo e garantir a diversão. É o que importa. Após o breve preâmbulo, somos informados que Ginger e Rock estão esperando um bebê. Quando nasce, a criaturinha engraçada já demonstra os seus primeiros sinais de espevitada. Ao passo que vai crescendo, nos mostra o quanto da mãe carregou em suas características.
Molly é uma jovem questionadora, crítica, empática, dona de si e com postura de liderança. Todos os traços de Ginger, a galinha protagonista e salvadora da pátria dos galináceos anteriormente, que desta vez, prefere recuar do heroísmo e deixar o mundo como já está, pois a sua preocupação maior agora é a maternidade. Ela sabe que lá fora, no exterior da zona que criaram para sobrevivência, granjas continuam a tratar os seus semelhantes com crueldade, tendo em vista atender ao que se pede nas demandas do consumo humano. Junto aos demais personagens do filme anterior, Ginger só quer paz. Rock também. Mas Molly não aguenta e parte para o mundo exterior, tendo em vista sanar a sua curiosidade sobre as coisas não ditas, ou então, superficialmente contadas. É quando a nova história, de fato, se estabelece.
Ao sair da zona de proteção, Molly acaba conhecendo uma nova galinha amiga, ambas levadas para a indústria de nuggets da Sra. Tweedy, um local desenhado de maneira interessante pelo design de produção de Darren Debecki. Lá, os animais são alienados em processos envolvendo música, cenografia de imersão, acoplados por aparatos tecnológicos que a transformam numa massa de galinhas prontas para serem levadas cruelmente para o abate, trituradas para se tornar aquela fritura deliciosa que todos nós consumimos, mesmo sabendo que seus aditivos fazem mal e que os seres vivos que passam pelo processo são maltratados. Caberá, então, aos pais contornarem a braveza da filha, uma rebelde juvenil, tentando salvar não apenas Molly, mas as demais aves que estão destinadas aos horrores da morte.
Numa inversão do primeiro, A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets leva os personagens de volta para zona de abate, local que serviu como cenário de fuga antes. Acompanhadas pela textura percussiva de Harry Gregson-Williams e animadas pela equipe de efeitos especiais, supervisionada por Jon Biggins, as criaturas que voltaram para esta continuação conseguem manter o charme e o dinamismo do antecessor, responsável por colocar a Aardman Animations no mapa dos requisitados pela indústria da animação. Com críticas que vão além da falsa imagem transpassada por aqueles que apregoam a ideia da “fazenda feliz”, onde os animais supostamente são bem tratados para se tornar material de consumo para nós humanos depois, o filme também traz mais uma vez a importância do trabalho em equipe, sendo a união de todos o que transforma em forte uma batalha de cunho coletivo. Uma bela lição de exercício da cidadania, que consegue atingir o público infantil e manter os adultos conectados a todo instante.
A Fuga das Galinhas (Chicken Run: Dawn of the Nugget, Estados Unidos/Reino Unido – 2023)
Direção: Sam Fell
Roteiro: Karey Kirkpatrick, John O’Farrell, Rachel Tunnard
Elenco: Thandiwe Newton, Zachary Levi, Bella Ramsey, Imelda Staunton, Lynn Ferguson, David Bradley, Romesh Ranganathan, Jane Horrocks, Josie Sedgwick-Davies, Daniel Mays
Duração: 101 min.