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Crítica | A Flor da Inglaterra (A Planta de Ferro), de George Orwell

Guerra ao dinheiro.

por Ritter Fan
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Falando apenas dos livros de George Orwell, não de seus diversos ensaios, artigos, poemas e histórias curtas ficcionais ou não, A Flor da Inglaterra, também publicado por aqui como A Planta de Ferro, é sua quarta obra, depois da abordagem jornalística de Na Pior em Paris e Londres, sua semiaoutobiografia Dias na Birmânia e seu primeiro “romance puro”, por assim dizer, A Filha do Reverendo. Usando a aspidistra – planta conhecida por sua enorme resistência e por exigir poucos cuidados e que, por essas razões, era muito disseminada em Londres e outros grandes centros urbanos britânicos na Era Vitoriana como decoração para lares – como símbolo que representa a classe média da época em que ele escreveu o romance, o autor, muito na linha de sua obra anterior, conta a história de Gordon Comstock, um homem que literalmente declarou “guerra ao dinheiro”.

Comstock vem de uma família de classe média média, como o próprio Orwell e, também, como o próprio Orwell, tem tendências fortes de esquerda, o que mais uma vez empresta algum carátera autobiográfico à obra. Mas Orwell era Orwell, um homem de esquerda pensante que enxergava as mazelas do comunismo implantado na prática em sua época e as repudiava, pelo que seu Comstock é uma espécie de personagem satírico e fortemente crítico aos “comunistas” endinheirados ou, como chamaríamos hoje em dia, aos “socialistas de iPhone”. E não escrevo isso cegamente, pois é igualmente hilário como muitos daqueles que se dizem de direita não conseguem também enxergar um palmo a frente de seus narizes, vivendo dentro de uma perpétua e espessa névoa. O que Orwell faz com seu Comstock é um exercício de dissipação dessa miopia socioeconômica.

Mais claramente hoje em dia do que antigamente, o dinheiro manda, o dinheiro está indelevelmente no comando de nossas vidas e não só isso – e daí eu dizer “mais claramente hoje em dia do que antigamente” – esse dinheiro e tudo o que ele é capaz de comprar (se fosse aquele célebre desenho do Pica-Pau seria algo como “mulheres, automóvel, mulheres, iate, mulheres, mansões, mulheres…”) precisa ser mostrado aos amigos e ao mundo via redes sociais, como se a materialização do que é adquirido só aconteça quando o bem ou o serviço é esfregado na cara de todos, criando um círculo vicioso de revirar os olhos. Por isso é que, na teoria, a “guerra ao dinheiro” de Comstock tem raízes nobres, ainda que, como ele vai aprendendo ao longo do romance, não é mais do que um sonho infactível ou um devaneio que nem em uma Utopia funcionaria de verdade.

Em sua autoimposta miséria – para os padrões que o protagonista poderia ter, é importante ressaltar -, vivendo em um quarto de uma estalagem e dividindo o banheiro com todos ali e trabalhando em uma pequena livraria somente para manter esse mínimo de infraestrutura, Gordon Comstock tenta escrever e viver sua vida sem que o “Deus Dinheiro” o atrapalhe muito, mas isso é cada vez mais difícil não só pelo que ele deseja da vida, incluindo aí sua namorada Rosemary, como também pelas imposições da sociedade, também viciada no vil metal e em razão de seu orgulho, que o impede de pedir dinheiro emprestado ou de voltar atrás em sua posição radical. É, claro, o famoso mato sem cachorro, uma sinuca de bico de onde Comstock não consegue sair, com o buraco ficando cada vez mais profundo a cada capítulo, a cada situação que ele precisa enfrentar.

O romance de Orwell não é feito para confrontar, mas sim para fazer pensar, ainda que muita gente possa se sentir confrontada pelo ataque que o autor faz ao comunismo e socialismo, algo que fica ainda mais evidente pela inserção de Philip Ravelston na narrativa, um dos últimos amigos de Gordon e um marxista ferrenho que publica uma revista batizada de Anticristo (!!!). Philip tem dinheiro de família e vive no luxo, uma contradição em termos com sua posição política, algo tão comum tanto na época como hoje em dia e contraste feito na narrativa entre ele e Gordon deixa ainda mais evidente que, por mais honrosa que seja a escolha do protagonista, no final das contas o que ele quer não faz o menor sentido na Londres dos anos 30 ou mesmo em Moscou na mesma época se quisermos ser bem sinceros e aí sim confrontativo.

Usando narração em terceira pessoa, com narração universal, Orwell derrama críticas e sua amargura em um estilo de vida que ele próprio compartilhava até certo ponto, com a ironia final sendo que ele escreveu e publicou o livro – em suas próprias palavras – porque ele precisava desesperadamente de dinheiro, envergonhando-se depois do feito, como havia acontecido com A Filha do Reverendo, obras que só foram republicadas depois de seu falecimento. Mas nessa amargura e nesse desespero, Orwell mostra sinceridade no que escreveu, algo que ele repetiria em sua famosa abordagem jornalística da Guerra Civil espanhola e dos mandos e desmandos do Partido Comunista em oposição aos franquistas. Ou seja, A Flor da Inglaterra, com toda sua sinceridade, é uma espécie de prelúdio de uma obra que seria ainda mais contundente contra o que ele considerava um marxismo aplicado equivocadamente e que, pelo que se pode extrair de suas palavras, não era tão diferente assim do capitalismo que ele também tanto criticava. Orwell até pode ter vergonha de Gordon Comstock, mas mal sabia ele o quanto esse personagem era real. É real.

A Flor da Inglaterra (A Planta de Ferro) (Keep the Aspidistra Flying – Reino Unido, 1936)
Autor: George Orwell
Editora original: Victor Gollancz
Data original de publicação: 20 de abril de 1936
Editora no Brasil: Companhia das Letras
Data de publicação no Brasil: 15 de agosto de 2007
Tradução: Sergio Flaksman
Páginas: 320

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