Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | A Filha do Rei do Pântano

Crítica | A Filha do Rei do Pântano

Um thriller que o melhor não é o suspense? Pode dar certo.

por Rodrigo Pereira
3,2K views

Criada em meio a floresta e longe da civilização, a pequena Helena (Daisy Ridley) vive com seu pai, Jacob Holbrook, (Ben Mendelsohn) e sua mãe (Caren Pistorius) uma vida diferente da maioria das pessoas. Aprendendo a caçar e sobreviver em ambiente selvagem desde cedo, seu desejo é adquirir a mesma destreza como caçadora que sua figura paterna. O problema, no entanto, é que aquela realidade não deveria ser dela, pois sua mãe foi sequestrada e forçada a viver na selva com o homem que ela conhece como pai. Anos após esse choque e já adulta, Helena parece reintegrada na sociedade e tem uma vida pacata, até descobrir que, se realmente quiser viver, precisará enfrentar seus fantasmas do passado e expurgá-los de vez

Inicialmente, parece um início clássico de thriller, mas a direção de Neil Burger foca muito mais nas emoções de Helena e em como seu passado afeta sua mente, suas relações pessoais e sua vida social. Para tentar se enquadrar na sociedade, vemos seu esforço constante de esconder suas “tatuagens” da infância, seja através de maquiagem ou desconversando sempre que alguém as percebe. O olhar de Helena, sempre desviante, assim como seu comportamento em eventos, frequentemente inquieta e visivelmente desconfortável, são características que reforçam o deslocamento da personagem, fruto da ótima atuação de Ridley.

Outra prova de que Burger parece muito mais interessado na abordagem emocional da trama do que na construção de um suspense é a utilização da câmera e dos ambientes. Helena sempre parece presa quando está em um cenário fechado, como o escritório em que trabalha ou sua própria casa. Quando é mostrada nesses locais, sempre há um incômodo para ela, como um grande calor que a faz suar parada no computador, ou para o espectador, como o contraste dos cômodos escuros de sua casa com o brilho intenso do sol pelas janelas. Além disso, ela aparece diversas vezes próxima ou dentro da estrutura das janelas, como se realmente estivesse aprisionada, ainda que esteja dentro de seu próprio lar. 

Da mesma maneira, a câmera de Burger se coloca bem próxima de Helena nesses momentos, utilizando de planos fechados (e planos detalhes, em alguns casos) para marcar de todas as formas possíveis o quanto a personagem não integra, de fato, aqueles ambientes. Não é por acaso que nos poucos momentos em que a vemos confortável, como ao visitar Clark (Gil Birmingham), a câmera se afasta, mostrando a cena em planos médios e abertos e conversando com o ambiente, ensolarado, arborizado e com animais próximos, trazendo o tão familiar convívio com a natureza de Helena para perto dela novamente.

Mas o que define de vez a intenção do diretor em focar em como a protagonista lida com seus traumas ocorre no reencontro de pai e filha. O momento do conflito entre protagonista e antagonista como clímax de uma obra do gênero é quase natural, porém Burger cria o oposto, com sequências praticamente afáveis entre as personagens. Mesmo sabendo todo o mal que aquele homem causou, Helena não consegue, em um primeiro momento, confrontá-lo como o monstro que é. Tudo isso estabelece A Filha do Rei do Pântano como uma obra muito mais sobre relacionamentos abusivos do que simplesmente um suspense genérico sobre vingança.

Aliás, essa é justamente a parte que menos gostei do filme. Mesmo nos momentos de maior tensão, A Filha do Rei do Pântano não passa de mediano ao tentar criar algum suspense. Era óbvio que Holbrook sobreviveria ao acidente ao sair da prisão, que Helena o veria de longe em meio a uma multidão mas não o alcançaria e alguns demais clichês que pouco agregam à narrativa. Nem de longe é capaz de estragar a experiência, mas não se compara ao melhor que a obra tem a oferecer: uma bela análise sobre traumas causados por abusos e mentiras na infância.

A FIlha do Rei do Pântano (The Marsh King’s Daughter) — EUA, 2023
Direção: Neil Burger
Roteiro: Mark L. Smith, Elle Smith
Elenco: Daisy Ridley, Ben Mendelsohn, Garrett Hedlund, Caren Pistorius, Dan Abramovici, Brooklynn Prince, Gil Birmingham, Joey Carson
Duração: 108 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais