Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | A Filha de Drácula

Crítica | A Filha de Drácula

Inaugurando a era do "vampiro trágico".

por Rafael Lima
1,1K views

Uma sequência para Drácula, clássico de Tod Browning de 1931, era discutida desde o seu lançamento, mas o projeto só tomou forma em 1934, depois de uma disputa entre a Universal e a MGM pelos direitos do conto O Hóspede de Drácula, de Bram Stoker, que ironicamente, acabou não sendo usado como base da continuação. O que foi entregue ao público em 1936 foi uma sequência que, ainda que mantenha o DNA do original, segue por caminhos dramáticos diferentes. Na trama, Von Helsing (Edward Van Sloan) é preso pelo assassinato do Conde Drácula. Na tentativa de provar que matou um vampiro, Von Helsing recorre à ajuda de um ex-aluno, o psicólogo Jeffrey Garth (Otto Kruger). Ao mesmo tempo, a Condessa Marya Zeleska (Gloria Holden) chega a Londres, com a intenção de se livrar da maldição que herdou de seu pai, o Conde Drácula.

Dirigido por Lambert Hillyer e escrito por Garrett Fort, A Filha de Drácula se põe como sequência direta do original, ao começar com a polícia achando Von Helsing (não Van Helsing como no filme anterior) junto aos corpos de Renfield e Drácula. É uma boa ideia ver um caçador de vampiros explicar por que há um rastro de pessoas com estacas no coração por onde ele passa, mas a presença de Van Sloan, único ator de Drácula a voltar, serve mais para criar conexão com a obra anterior do que explorar este ponto da trama. Mas a diferença entre este longa e o anterior são as camadas da personagem-título. Enquanto o Drácula de Bela Lugosi era um vilão  essencialmente mal,  Zeleska é uma vilã com mais camadas, que vê o vampirismo como uma maldição, e busca uma cura por todos os meios; desde rituais arcanos, até ajuda psicológica  para resistir aos seus impulsos. O papel da psicologia, ainda relativamente jovem nos anos 1930, e as diferentes coisas que o vampirismo pode metaforizar, ainda que não muito aprofundado, é um movimento interessante do roteiro, que gera ótimas discussões.

 Além de trazer um dos primeiros vampiros do cinema a trabalhar o tropo do monstro relutante, A Filha De Drácula traz uma dose de erotismo e homoerotismo, inofensivo nos dias de hoje, mas que preocupou bastante os censores da época. A ligação entre o vampirismo e o prazer ainda é sutil aqui, mas é difícil não fazer uma leitura sexualizada de passagens como aquela em que a Condessa atrai uma  moça para posar sem blusa para ela, em um trecho que parece dever mais a Carmilla, de Sheridan Le Fanu do que ao Drácula de Bram Stoker. O mesmo pode ser dito da clara tensão sexual que há entre a vampira e seu servo Sandor (Irving Pichel). O texto, de fato, brinca com quem realmente tem o poder dentro dessa relação, pois enquanto a Condessa claramente deseja se libertar de sua maldição, Sandor sabota e desestimula esses esforços através de pura manipulação. O longa também se beneficia de possuir protagonistas mais carismáticos do que a média do ciclo de horror da Universal. O Jeffrey de Otto Kruger é um herói perspicaz, que tem uma relação divertida com a sua secretária Janet (Marguerite Churchill) que claramente quer que Jeffrey seja mais do que o seu chefe. As cenas cheias de implicâncias e provocações do casal não ficariam fora de lugar em uma comédia romântica, dando um bom respiro para a obra, gerando um contraste com as passagens mais sombrias estreladas pela Condessa.

O roteiro, porém, tem os seus problemas. As tentativas de comédia dentro do núcleo policial não funcionam, especialmente as estreladas por dois policiais atrapalhados. O 3º ato soa deslocado ao abandonar a complexidade que havia sido construída para a Condessa Zeleska para se entregar à vilania mais típica. Além disso, como dito antes, é impossível não perceber que Von Helsing está presente só para criar a ligação com Drácula e explicar, de maneira didática, a mitologia dos vampiros. A direção de Lambert Hillyer não tem a aura concedida por Tod Browning no filme anterior, e é difícil não sentir falta da estética etérea que o fotógrafo Karl Freund trouxe para o longa de 1931. Dito isso, tanto narrativamente quanto esteticamente, o filme se inclina mais para um terror de natureza urbana do que o horror gótico que era vigente na década de 1930, o que pede uma condução menos operística. 

De fato, a presença forte da Scotland Yard na trama e a ambientação mais contemporânea, geram um choque quando o clímax move a trama de volta para o ambiente mais gótico e rústico da Transilvânia. Assim, ainda que traga um trabalho de direção mais contido, Hillyer tem os seus momentos criativos, especialmente nas passagens que trazem a Condessa atacando as suas vítimas. Gloria Holden, tal como Bela Lugosi, entrega uma performance essencialmente teatral para a Condessa Zeleska, que combina muito bem com o personagem. Os grandes olhos da atriz são capazes de transmitir desespero, desejo e perigo, enquanto o seu trabalho de expressão corporal concede à vampira um bem-vindo senso de auto-aversão.  

A Filha de Drácula é uma continuação competente, que sabe honrar o seu antecessor, mas também não hesita em buscar a sua própria identidade. O filme de Lambert Hillyer se destaca por trazer uma vilã consideravelmente complexa para a época dentro do gênero, além de tentar trazer uma abordagem mais contemporânea e urbana para o terror, que não só o diferencia dos outros exemplares dentro do ciclo de horror da Universal, mas antecipa uma tendência que só se estabeleceria nos anos 1940. Mesmo não tendo se tornado tão icônico quanto o clássico de 1931, A Filha de Drácula é uma obra que tem o seu charme, e que ajudou a cimentar muitos dos tropos que construíram a imagem da vampira na cultura popular.

A Filha de Drácula (Dracula’s Daughter) – Estados Unidos, 1936
Direção: Lambert Hillyer
Roteiro: Garret Fort
Elenco: Gloria Holden, Otto Kruger, Marguerite Churchill, Edward Van Sloan, Gilbert Emedy, Irving Pichel, Halliwell Hobbes, Billy Bevan, Nan Grey, Hedda Hopper, Claud Allister, Edgar Norton, E.E Clive, Agnes Anderson, Eily Malyon
Duração: 71 Minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais