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Crítica | A Festa de Formatura (The Prom)

por Roberto Honorato
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Como alguém que é facilmente conquistado pelo catálogo de musicais da Broadway, sempre imaginei que o motivo pelo qual não sou do grupo apaixonado por The Prom, o espetáculo idealizado originalmente em 2016, era simplesmente culpa das músicas, que considero repetitivas e pouco criativas, com diversos trocadilhos, referências e piadas óbvias, o que parece um pouco preguiçoso. Mas tirando isso, nunca me importei o suficiente para perder o sono com a peça da Broadway, afinal, mesmo tendo minhas críticas, respeito bastante o trabalho dos atores, coreógrafos e a equipe responsável por montar um palco que seja interativo e esteja de acordo com a identidade da história. Mas com o sucesso, o musical logo chamou a atenção de Ryan Murphy, que decidiu adaptar a peça para o cinema, e então os pesadelos surgiram.

A Festa de Formatura apresenta quatro celebridades da Broadway decepcionadas com seu recente fracasso nos palcos, o que alguns críticos atribuem ao narcisismo dos quatro, que faz com que suas obras conversem cada vez menos com o público. Em uma tentativa desesperada de se reconciliar com a crítica e conquistar os espectadores novamente, eles saem em uma viagem para a pequena cidade de Edgewater, na conservadora Indiana, onde Emma (Jo Ellen Pellman), uma jovem lésbica começou a chamar a atenção dos noticiários após sua escola cancelar o baile de formatura apenas para evitar que ela vá com sua acompanhante, que ninguém conhece ainda. Ao encontrá-la, o grupo de celebridades promete ajudá-la com sua autoestima, além de querer mudar o cotidiano preconceituoso dos habitantes da cidade.

No papel, a premissa é uma boa ideia, e por mais que não seja a primeira vez que assistimos o drama de uma personagem gay em busca de aceitação, toda a trama envolvendo o baile de formatura e as quatro figuras da Broadway pode render um musical divertido e relevante ao mesmo tempo. Mas o maior problema dessa versão cinematográfica está na própria forma, que seria ótima nas mãos de um diretor mais competente, mas com Ryan Murphy temos um enorme desperdício de oportunidades. Murphy procura manter a mesma estrutura narrativa da versão teatral, que chegou a receber diversas indicações ao prêmio Tony (o mais prestigiado da área) em 2019, então se você procura apenas uma tradução direta dos palcos para a tela, talvez se conforme com essa adaptação, mas ainda assim, há decisões na direção que poderiam ser facilmente corrigidas para criar um filme mais original e coerente, ao invés de apenas uma cópia fiel, porém preguiçosa.

Antes de me aprofundar na estrutura do longa, preciso mencionar as decisões criativas de Murphy, a primeira delas sendo a de escalar um elenco estelar com nomes como Meryl Streep (como a exuberante e premiada atriz Dee Dee Allen) e Nicole Kidman (interpretando a quase monossilábica Angie Dickinson), duas gigantes de Hollywood que se submetem a papéis caricatos ou até mesmo quase irrelevantes para a história. Enquanto Streep tem a chance de fazer caras e bocas e se divertir cantando (algo que provavelmente adorou fazer em Mamma Mia e agora aceita todos os contratos envolvendo musicais que foram surgindo), Kidman é jogada para o escanteio em uma personagem secundária com pouquíssimas falas e praticamente nenhum desenvolvimento, apenas características superficiais que são uma extensão da personagem de Streep e a de outro ator que, por algum motivo, também continua recebendo papéis em toda produção musical para os cinemas nos últimos anos. Precisamos falar sobre James Corden. 

Essa pode parecer uma afirmação dura, mas acredito que precisa ser feita: James Corden é o arroz de festa mais indigesto da indústria. E eu sei que há fãs de seu trabalho, incluindo o programa The Late Late Show, apresentado por ele, que simplesmente consideram essa afirmação desnecessária. Eu compreendo, parece algo maldoso e pessoal, mas eu até considero alguns quadros de seu programa bem inventivos, e é impossível não achá-lo engraçado quando interage com celebridades de forma mais descontraída. Humor é subjetivo, assim como opiniões, é claro, e a minha é que Corden simplesmente não funciona em musicais roteirizados tão bem quanto imagina. Se em seu programa tem a chance de improvisar, em A Festa de Formatura ele precisa interpretar um personagem que além de ser alívio cômico e ter que entregar uma performance mais dramática sobre temas delicados, ainda é o protagonista. 

Corben tenta oscilar entre os dois extremos, mas os compromete e nunca dá a impressão de estar sendo genuíno, o que fica mais evidente nas vezes em que procura apelar para uma interpretação extravagante ao ponto de ser caricata enquanto contracena ao lado de Meryl Streep, o que já seria um desafio para muitos, mas aqui é praticamente um acidente desastroso sem sobreviventes. Corben conseguiu papéis de destaque em grandes produções como Caminhos da Floresta e Cats (esse é o nível), e em várias instâncias serviu para justificar as piadas que o roteiro procurava fazer às custas de seu peso, o que vem acontecendo também com Rebel Wilson, outra atriz sendo utilizada em excesso, mas com o mesmo propósito malicioso.

Mas o caso de A Festa de Formatura é diferente porque o filme é dirigido por Ryan Murphy, um produtor conhecido por sempre incluir uma mensagem positiva de aceitação e tolerância, além de procurar narrativas com representatividade, principalmente para a causa LGBTQ+, menos quando tem a chance de colocar uma celebridade famosa e tão reconhecida pelo público consumidor de musicais como James Corden, ainda mais para interpretar uma personagem homossexual. Mas aí está um grande problema: Corden não é gay, e mesmo que não queiramos entrar no debate sobre personagens interpretados pela minoria ou grupo específico que representam, isso já evidencia um dos grandes problemas da visão de Murphy, que é o apelo para nomes conhecidos, incontáveis referências culturais sem peso na trama e piadas que servem mais como um comentário vazio e superficial do que uma conversa honesta sobre os grupos que ele procura evidenciar, mas falha miseravelmente e fica mais parecido com as celebridades de seu filme do que imagina.

Voltando para o enredo, o filme se divide em dois núcleos dramáticos, os conflitos dos profissionais da Broadway e o dilema do casal gay no ambiente escolar. Somos constantemente lembrados que as quatro celebridades são a principal preocupação do longa, que dá bem mais espaço para que os atores tenham diálogos e momentos de interação maiores, e isso incomoda quando você percebe que a maioria (se não forem todas) das cenas envolvendo o casal, que literalmente é o motivo para a história acontecer, são apressadas e se limitam apenas aos números musicais, sem qualquer preocupação em desenvolvimento das personagens. Murphy vê importância em focar na subtrama de um passado traumático para a personagem de Corden, que é resolvido através de uma solução fácil, enquanto a personagem Alyssa Greene (Ariana DeBose), o interesse amoroso de Emma, dá pequenos indícios de uma relação ruim com o pai através de uma música, mas fica apenas na rápida menção, o filme não se importa em mergulhar no drama de qualquer um que não seja um ator reconhecido o suficiente para entregar uma performance capaz de distrair o espectador do péssimo enredo.

Streep e Corben roubam as cenas, mas não há como ser o contrário porque não sobrou espaço até para Nicole Kidman, que merecia, convenhamos, mais atenção que Corben. O filme tem Andrew Rannells no elenco, como Trent Oliver, um dos quatro da Broadway. Felizmente, o longa ganhou pontos por deixá-lo brilhar em seu próprio número musical, mas admito que gostaria de mais espaço para sua personagem. Ele esteve na hilária peça Falsettos, que também tem uma temática LGBTQ+ e a tratou melhor.

Por um lado é compreensível quando percebemos que o filme tenta seguir a trama da peça teatral fielmente, mas por outro é um atestado de como Murphy não tem sequer intenção de tentar algo novo com o material. Essa é uma adaptação, não precisa ser idêntica ao original e às vezes os diretores esquecem que um formato diferente significa uma abordagem diferente. E se a preguiça do diretor para guiar a narrativa já é um ponto fraco, simpatizo com a dor da equipe de cenografia e iluminação que precisou montar toda sequência usando a mesma palheta de cores da logo do filme. Apenas não indico que você “encha a cara” cada vez que a combinação de cores tomar conta da tela porque você provavelmente vai morrer.

Outra coisa estranha de A Festa de Formatura, e isso vai parecer problemático, é que esta é uma obra com um assunto importante, que merece um debate mais sério, mesmo que esteja coberto de piadas na superfície. Infelizmente, não consigo sentir honestidade nessa história por transformarem um pequeno musical charmoso (por mais que eu não goste, devo admitir que há coração nele) e não dar o devido espaço para o próprio grupo marginalizado que diz defender. É óbvio que não tenho lugar de fala nesse assunto, então é mais do que justo se alguém se sentir emocionado, já que o problema não é a mensagem, mas a forma negligente que foi transmitida.

Para Murphy, referência está acima de criação. Ele não procura tom, isso porque seu filme apenas precisa adaptar cada ponto da trama original sem qualquer influência criativa no material. A Festa de Formatura não dá atenção para as personagens que poderiam trazer um peso maior para a história, e mais uma vez Ryan Murphy dá preferência para um apelo estético limpo e sem identidade ou coerência entre os temas que apresenta, para prestigiar seu elenco premiado. Esse é o tipo de filme que faz com que muitas pessoas não gostem de musicais, os considerando apenas um bando de personagens cantando aleatoriamente sem motivo. 

A Festa de Formatura (The Prom – EUA, 2020)
Direção: Ryan Murphy
Roteiro: Bob Martin, Chad Beguelin
Elenco: Meryl Streep, James Corden, Nicole Kidman, Kerry Washington, Keegan-Michael Key, Andrew Rannells, Ariana DeBose, Jo Ellen Pellman, Tracey Ullman, Kevin Chamberlin, Mary Kay Place, Logan Riley, Sofia Deler
Duração: 130 min.

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