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Crítica | A Festa (2017)

Ironia e mal-estar social.

por Fernando JG
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Janet (Kristin Scott Thomas), com uma mão trêmula segurando uma arma, aponta na direção da câmera. Receberemos um tiro logo na entrada do longa? O que aconteceu? Corte brusco e início da trama: Janet e Bill (Timothy Spall) estão preparando um jantar para receberem alguns amigos. Aos poucos, chega um casal, chega outro e mais um solo, dizendo que sua noiva viria mais tarde. Um contraste de personalidades, uma vez que cada personagem tem um caráter super marcado e distinto um do outro. Se preciso me adiantar e se ainda não fica claro, o que duvido muito, fica evidente que as coisas vão sair do controle num espaço de uma sala de jantar. 

Essa espécie de roteiro e enredo feitos para o trabalho indoor não são inéditos, embora não sejam convencionais. Dos filmes mais bem sucedidos que temos neste espectro, encontramos, por exemplo, a obra-prima de Buñuel, O Anjo Exterminador ou o indigesto Quem Tem Medo de Virginia Woolf, que elevam ao máximo o sentimento kafkiano. Recentemente, um dos mestres do mal-estar havia proposto uma comédia-irônica nesse mesmo estilo em Deus da Carnificina (Roman Polanski, 2012), e ainda temos o imperfeito O Jantar. Então veja: é um filme que se coloca diretamente à nível de comparação com tudo aquilo que veio antes dele. 

A pegada elementar do enredo de A Festa é fazer tudo acontecer no espaço minúsculo de um cômodo, que não por acaso está alocando sete pessoas distintas. O efeito é um só: causar estranhamento e mal-estar. A mise-e-scène vai apertando cada vez mais para causar um desconforto e tirar seus personagens, e a nós, do lugar de plenitude. Não precisa de muito, mas apenas de um personagem meio fora da curva para que a faísca acenda o fogo e inflame o ambiente. A partir daí, tudo vai de mal a pior, sem chance alguma remendo.

Nota-se logo que se trata de um texto irônico, com um senso de humor um tanto contido, mas que aos poucos mostra a sua face. A cineasta vai brincando com as fragilidades de temas da vida adulta até que o drama não se encontre mais na sua forma pura, mas interpolado com uma acidez crítica pertinente e bem à moda inglesa, com aquele tom de comédia cínica que permite um riso de canto de boca. Em inúmeras cenas, as reflexões filosóficas – que, creio, não eram para ser sérias – se tornam estúpidas e um tanto enfadonhas propositalmente. Assim, as discussões que testemunhamos são ridiculamente rasas, mas funciona se olharmos pela perspectiva da comédia. Qualquer coisa tirada desse contexto perde força e profundidade narrativa.

O jogo de aparências vai ganhando forma e lentamente se desnudam as verdades, como se a cineasta retirasse de vez a máscara de cada um. O clímax, como deve ser numa obra desse estilo, ao expor um desconforto limítrofe com as dezenas de brigas e discussões que ocorrem na trama, meio que age como se arrancasse a roupa dos personagens, e então os encontramos ali, nus, cada um mostrando o que tem a oferecer de pior. É sempre assim: trazer à luz o que deveria estar escondido. 

Embora seja crítico, o longa tem um “Q” de frivolidade e flacidez em toda a sua construção narrativa. Nada soa tão brilhante ou inovador, nada que já não tenhamos visto antes, só que, aqui, está atualizado para discussões recentes. O filme se sustenta até o fim porque opta por introduzir uma reviravolta que segura todo o enredo até o final, justificando, inclusive, a primeira cena a que me reportei, quando Janet abre o longa segurando uma arma com as mãos trêmulas. O plot é o dado que justifica a razão do filme, lhe oferecendo novo fôlego. Quero dizer, quando estava prestes a cair num enfado tedioso, ele ressurge com novas informações, nos tirando de um lugar e colocando imediatamente em outro. 

A película de Sally Potter custa a terminar, apesar da sua curta minutagem. Se vale de uma inteligência puramente mediana para estabelecer a intriga principal do longa, com personagens que fingem intelectualidade com algum grau de sofisticação, mas que finaliza numa caricatura. Paródia ou não da vida real, A Festa nos prende não pelo seu conteúdo em si, mas pela ansiedade que nos gera a proposta dramática. Tudo o que a gente quer saber é: “ok, algo vai acontecer, mas o que e quando? 

Enquanto a gente espera a canonização da trama, que é o que esse filme busca no seu desenrolar e não ocorre, curtimos um roteiro pretensioso que, num primeiro olhar, parece não querer nada com nada, que é desprendido, descolado, quer qualquer coisa; mas no fundo, se olharmos bem para o arranjo da mise-en-scène, para a fotografia em preto e branco, para esse enredo moderníssimo, logo percebemos que a proposta era mesmo ser algo distinto, ou mesmo um “grande filme”. É uma pena porque, mesmo que seja uma película com uma boa intenção, lhe falta, na assinatura, o ponto de destaque; sem ele, é só mais um.

A Festa (The Party, EUA, 2017)
Direção: Sally Potter
Roteiro: Sally Potter
Elenco: Kristin Scott Thomas, Timothy Spall, Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Emily Mortimer, Cherry Jones, Cillian Murphy
Duração: 80 min.

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