Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | A Felicidade das Pequenas Coisas

Crítica | A Felicidade das Pequenas Coisas

A reconexão do homem com sua cultura.

por Iann Jeliel
2,6K views
A Felicidade das Pequenas Coisas

A Felicidade das Pequenas Coisas é uma história familiar. Trata-se de uma tradicional jornada de “redenção” de um jovem “corrompido” pela urbanização, que é forçado a ficar recluso no campo para reaprender o valor da vida a partir da simplicidade e pureza dos costumes bucólicos. A particularidade do longa-metragem do Butão (um pequeno país asiático) que concorre ao Oscar de filme internacional está no recheio, evitando cair no melodrama barato e sendo bastante sensível no tratamento da imagem e construção sentimental do contexto cultural em que a história se insere.

Interessante como o diretor iniciante Pawo Choyning Dorji (que também é educador) promove uma apresentação didática com um discurso distante geograficamente do lugar que pertence e que mais tarde pretende valorizar conforme o andamento da virada de mentalidade prevista para o  protagonista. Numa primeira instância, a angústia do professor Ugyen Dorji (Sherab Dorji) que deseja sair de sua profissão e de seu país pelo sonho de ser um cantor mundo afora, é bastante simpática pensando numa universalização de seu drama. A visão de mundo de Ugyen, desinteressada nos valores da própria origem, se alinha com o olhar do telespectador estrangeiro: seja aqueles com a visão predominantemente ignorante em relação a culturas semelhantes à evidenciada, seja aqueles nascidos em berços menores (como Ugyen) e se sentem presos a ele. A construção imagética da introdução simula muito bem o sentimento de aprisionamento do protagonista, destacando sua exaustão em cada metro da subida nas montanhas até chegar em Lunana como um contribuinte à necessidade do personagem em fugir do país com urgência e viver a globalização desejada.

Desse modo, o roteiro situa muito bem os costumes da ambientação para gradativamente promover um instigador que dá relevância ao seu sentido, corroborando com a ressignificação do drama pessoal do protagonista e, consequentemente, com a  nossa visão de mundo a despeito daquela teórica condição de miséria. O maior triunfo de A Felicidade das Pequenas Coisas é não entrar no território de romantização dessas condições precárias que vivem aquelas pessoas por conta das tradições, mas sim, propor um contraponto com a valorização delas ao sentimento de distanciamento cultural de um privilegiado com suas origens. Para que fugir se o conhecimento e pensamentos modernos poderiam ser aplicados para evoluir a própria nação? Mais do que uma reconexão do homem com a natureza, há aqui uma reconexão do homem com a sua pátria, sem, contudo, negar a importância da globalização (que pode parecer se culpabilizada em algum momento do filme) para esse processo.

Há o reconhecimento de que o conhecimento vem de fora, sendo a figura hiperbolizada do professor – apesar desse super respeito não ser motivo para amenizar o retrato mesquinho e soberbo do protagonista no início –, o responsável por compartilhar essa educação do mundo para um futuro melhor naquela realidade. É um processo de aprendizado mútuo. Ugyen traz o conhecimento que vem de fora para a melhoria social interna, bem como a convivência do que vem de dentro (as interações com as crianças, as histórias dos demais habitantes que conhece, o romance verdadeiro que vive), da significância para o sonho que deseja realizar lá fora. A música entra muito bem nesse contexto para oferecer uma dualidade conflituosa pessoal às decisões do personagem, pois, enquanto reforçam a motivação da fuga como inevitável, fornecem a reconexão espiritual que ele precisava. Fica, portanto, o questionamento da vivência de um sonho incerto, pessoalmente mais recompensador, com o sonho concreto, mas de pequenas ambições, embora, com resultados grandiosos em âmbito de progresso cultural.

A Felicidade das Pequenas Coisas traz uma lição evidente nesse quociente, mas até pela proposta de usar a arte como vitrine de apresentar uma nação escanteada do mundo, traz uma compreensão sensível dos balanços morais do estudo de personagem colocado, desviando dos clichês nos quais  se escora para facilitar uma comunicação com o exterior – o ritmo, por exemplo, consegue ser bastante dinâmico sem deixar de valorizar as imagens, contemplar cada cena – com uma sensibilidade diferenciada e uma honestidade na simplicidade conquistadora.

A Felicidade das Pequenas Coisas (Lunana: A Yak in the Classroom – ལུང་ནག་ན | Butão, 2019)
Direção: Pawo Choyning Dorji
Roteiro: Pawo Choyning Dorji
Elenco: Sherab Dorji, Ugyen Norbu Lhendup, Kelden Lhamo Gurung, Pem Zam, Sangay Lham, Chimi Dem, Kunzang Wangdi, Tsheri Zom
Duração: 110 minutos.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais