Home FilmesCríticas Crítica | A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas

Crítica | A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas

por Luiz Santiago
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Seguindo os passos louváveis de Homem-Aranha no Aranhaverso (2018), este novo projeto da Sony Pictures Animation, intitulado A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas é uma daquelas animações que fazem de qualquer espectador, especialmente os fãs do gênero, pessoas muito mais felizes. Isso porque, diferente de obras apenas visualmente gloriosas, mas enxutas de qualquer elemento minimamente inovador ou tomada de qualquer tipo de risco em favor da história, The Mitchells vs the Machines veste a carapuça de ser diferentão e nos entrega uma hilária, charmosa e corajosa história sobre uma família vivendo em um apocalipse de robôs.

Responsáveis pelo roteiro e pela direção, Michael Rianda e Jeff Rowe trabalham muitíssimo bem com algo que é o verdadeiro calcanhar de Aquiles de muito escritor por aí: a exploração de referências. Na trama, a amalucada família Mitchell está passando por um momento de mudanças, com Katie (Abbi Jacobson) indo para a faculdade e, mais uma vez, entrando em conflito com o pai (Danny McBride), afetando toda a dinâmica da casa. A mãe de Katie (Maya Rudolph) é uma fofura de personagem, assim como o seu irmão Aaron (Michael Rianda), um garoto fascinado por dinossauros, e o espectador não precisa fazer absolutamente nenhum esforço para se ver encantado com o frescor do roteiro ao trabalhar essa dinâmica familiar, tendo em foco a saída do ninho da filha mais velha e os constantes conflitos que ela tem com pai.

As tais referências tão bem trabalhadas pelos diretores surgem através de Katie, que é fã de cinema desde criancinha e agora vai entrar na faculdade de cinema. Ela serve como um diálogo metalinguístico dos diretores com o público, mas também representa uma mídia que tem tudo para inovar e que pode fazer isso nas mais diversas situações. A construção de cunho moral que encontramos em basicamente todas as animações, surge aqui pelo caminho de formação de uma garota que tem todos os problemas de uma adolescente, que é viciada em internet, que briga o tempo inteiro com o pai e nem consegue entender o por quê disso tudo. Ela encerra o maior número de problemas do conflito de gerações e, ainda assim, consegue ser uma personagem fascinante — prova que um bom roteiro consegue fazer milagres com elementos batidos, quando falamos da interação entre pais e filhos e da construção da personalidade de uma adolescente. E o melhor aqui é que Katie não é chata em momento algum

A forma de comunicação da personagem é bastante peculiar, e desse status é que surge outra camada crítica do filme: a extrema dificuldade de comunicação entre as pessoas. Katie consegue interagir de modo claro e fofo com o irmão Aaron. Também consegue dialogar com a mãe, apesar de alguns obstáculos. Já com o pai, parece que não falam sequer a mesma língua — e vale dizer que no caso dele há o analfabetismo digital, exposto como extensão desse conflito entre pai-e-filha. O roteiro pega essa problemática e a estende para todo tipo de relação que encontramos no longa, seja na manifestação vinalesca de PAL (uma versão do HAL, em excelente dublagem de Olivia Colman), seja na dificuldade que Aaron tem para falar meia dúzia de palavras com a filha dos vizinhos, seja na relação dos robôs com o pug. Essa brincadeira ajuda a levar a trama de uma forma bem mais leve, já que os assuntos ligados à dificuldade de comunicação, às impressões que uns têm dos outros e à importância que uma família tem em nossas vidas não precisam ser apresentados de forma filosófica, maçante e regrado. Ele é reforçado de modo cômico e aventuresco a cada bloco de obstáculos que os Mitchell precisam enfrentar.

E é aí que um número ainda maior de referências cinematográficas, culturais, pop e ligadas a memes, perfis no Instagram, e vídeos do Youtube são escancaradas através de colagens engraçadas, assumidamente bobas e que possuem um excelente efeito de ligação com a protagonista: não podemos nos esquecer que isso tudo é a visão extremamente criativa de uma garota que está entrando para a faculdade de cinema. Junto de suas maravilhosas paródias em curta-metragem*, os diretores tornam os obstáculos e as vitórias da família em verdadeiros eventos de ação que, juntamente com a aproximação da batalha final contra a “chefona do jogo“, destravam conflitos, conhecimentos e sentimentos às vezes nada elogiáveis desses indivíduos. Num excelente trabalho de edição e mixagem de som + exploração de diversos cenários com cores e desenho de produção que nos lembram diferentes gêneros (ficção científica, terror, western, filme de tragédia, filme de kaiju, etc), a obra não deixa de ser interessante em um único momento, e também não abandona nenhuma linha dramática em prol das referências-pelas-referências ou apenas da beleza imagética e criatividade na hora de mostrar os projetos de Katie na tela.

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas não decepciona em sua viagem apocalíptica, garantindo um divertimento que terá diferentes pesos dependendo da idade e cinefilia do espectador. Penso que o arco dos robôs poderia ter uma costura com mais detalhes, ao lado da vilã PAL; e também vejo a passagem do apocalipse para o “mundo normal” como rápida demais, com tudo voltando ao lugar muito cedo. O que nos fica, todavia, é o enorme sorriso no rosto e uma vontade de que esses mesmos produtores continuarem investindo em obras que não se contentam em jogar apenas com ingredientes vitoriosos na animação, aliados a uma excelente qualidade imagética e a um marketing agressivo. Bons filmes, como sempre, se fazem assim: com bons diretores e roteiristas tendo liberdade para colocar sua loucura para fora. Nós e o cinema só temos a ganhar com isso.

* Alguns curtas-paródias de Katie: Au Hasard Burger Puppet (A Grande Testemunha); Mochi: Fear Eats the Soul (O Medo Consome a Alma); Dogtown (Chinatown); Going There (Muito Além do Jardim); Raging Rick (Touro Indomável); They Live(d) in the Jurassic Period (Eles Vivem); Katie and Aaron (Thelma & Louise); The Perks of Having Only One Friend (As Vantagens de Ser Invisível) e Portrait of an Idiot on Fire (Retrato de uma Jovem em Chamas).

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (The Mitchells vs the Machines) — EUA, Canadá, França, 2021
Direção: Michael Rianda, Jeff Rowe
Roteiro: Michael Rianda, Jeff Rowe
Elenco: Abbi Jacobson, Danny McBride, Maya Rudolph, Michael Rianda, Eric André, Olivia Colman, Fred Armisen, Beck Bennett, Chrissy Teigen, John Legend, Charlyne Yi, Blake Griffin, Conan O’Brien, Doug the Pug, Melissa Sturm, Doug Nicholas, Madeleine McGraw
Duração: 113 min.

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