Nesta trajetória de análise dos contos, poemas e demais histórias sobre vampiros para compreender o estabelecimento do terreno desta mitologia antes do romance epistolar Drácula, do escritor irlandês Bram Stoker, publicado em 1897, realizei uma investigação panorâmica pavimentada por boas histórias de terror envolvendo diversas modalidades de vampirismo, mas nenhuma delas foi mais impactante que A Família do Vurdalak, do russo Aleksei Tolstoi. Há, inclusive, estruturas literárias mais complexas que o conto deste autor nesta perspectiva panorâmica, mas no quesito construção atmosférica e encadeamento do suspense, o texto em questão é muito mais envolvente que as demais publicações de nomes consagrados da literatura do século XIX. Primo distante do famoso autor de Guerra e Paz, esse Tolstoi era um apreciador do folclore russo e, na dinâmica global do tema já naquela época, construiu a sua pequena história que se apresenta como uma grande contribuição para o tema.
No conto A Família do Vurdalak, o escritor estabelece uma premissa clássica. Alguém, detentor de uma história arrepiante, vai sentar próximo de determinados ouvintes para contar algo que promete deixar todo mundo de cabelo em pé. Nós, leitores, ficamos na expectativa após este preâmbulo promissor e, o que vem a seguir é digno das promessas do narrador. Quem vai contar a tal história escabrosa é o Marquês de Urfé, homem que se hospedou numa casa aterrorizada por um Vurdalak, espécie de morto-vivo. Este tipo de monstro é aquele que sai do túmulo para sugar o sangue de suas vítimas, parte integrante da cultura popular eslava. Para os habitantes da Hungria e da Bósnia, por exemplo, havia histórias bizarras sobre populações inteiras formadas por vurdalaks, algo que a população, na ausência da ciência ainda em avanço, entendia como real no processo de compreensão de fenômenos não explicados até o momento.
As suas vítimas geralmente são os parentes mais próximos ou amigos íntimos, uma especificidade na extensa mitologia envolvendo os vampiros. Estas criaturas precisam fazer um jogo psicológico imersivo para conseguir convencer as pessoas a deixa-lo entrar em casa. É semelhante ao lance que Stoker utiliza sobre o fato do vampiro ter que pedir licença, isto é, ter a liberação para acessar o espaço da intimidade alheia. No caso da história narrada pelo Marquês de Urfé, o vurdalak que tenta acessar a casa onde ele está hospedado é o dono do local, principal membro da família, algo que cria uma situação bastante tensa, pois como deixar alguém amado e representativo do lado de fora, exposto e tratado como um monstro, por mais que a figura esteja agindo de maneira aterrorizante? É um recurso corriqueiro em muitas histórias de terror, mesmo aquelas que não retratam uma perspectiva vampírica.
No conto, apesar da insistência dos familiares, o patriarca da família decide sair mesmo com os perigos anunciados pelos arreadores. Lembra até aquela dinâmica dos zumbis, da contaminação, mas aqui é o morto-vivo vampiro e sanguinário que transforma quem atacou noutro monstro e, consequentemente, estabelece uma perigosa legião. Aleksei Tolstoi vai traçando os caminhos de sua história com doses generosas de suspense, criando uma atmosfera diabólica que não dá trégua alguma desde os primeiros momentos de horror. A criatura nefasta, na porta e nas janelas, clama para que alguma passagem seja aberta para o seu desejo de fazer o terror imperar. A sua morte, tal como delineado pela mitologia, é semelhante ao fim do Conde Drácula, algo que nos permite elucubrar que Bram Stoker teve acesso ao conto enquanto pesquisava o desenvolvimento do romance que se tornou definidor para a figura dos vampiros na cultura.
Em linhas gerais, um excelente conto: atmosférico, denso e dinâmico.
A Família do Vurdalak (La Famille du Vourdalak – França, 1884)
Escrito originalmente em 1839, como La Famille du Vourdalak. Fragment inedit des Memoires d’un inconnu.
Autor: Aleksei Tolstoi
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Nina Horta
Páginas: 9