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Crítica | A Era do Automóvel, de João do Rio

Uma crônica do Brasil nos primeiros anos do século XX.

por Leonardo Campos
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O automóvel é um elemento que representa muito bem a ânsia dos modernistas por movimento. Como sabemos, ao estudar os primeiros passos da literatura na década de 1910 e 1920, os escritores destes períodos mudavam radicalmente a estrutura da linguagem e entregavam textos ousados que dialogavam com as revoluções tecnológicas do período. João do Rio, um exímio cronista de seu tempo, relatou em A Vida Vertiginosa, uma série de histórias que radiografavam as mudanças no cenário urbano: a transformação das ruas, a nova infraestrutura dos projetos arquitetônicos, as relações econômicas ressonantes no comportamento dos indivíduos em suas dinâmicas coletivas, engajados pelas promessas de um mundo que atravessava frenéticas remodelagens. Na crônica, o que encontramos é a observação das pessoas com o novo, a transfiguração da cidade, os primeiros incidentes de carros que encontravam árvores, produzindo tímidas interjeições representantes das colisões originadas de homens que ainda desconheciam as potencialidades destas máquinas, antecipação para a violência no trânsito das décadas seguintes. Em linhas gerais, um mundo de crash, boom, bang, own, oh, ah, dentre outras expressões de assombro e admiração diante do que ainda não tinha sido contemplado até então.

Publicado em 1911, A Era do Automóvel é um dos textos que compõem a coletânea A Vida Vertiginosa. A crônica é um olhar apurado do escritor face aos processos que afetavam a vida urbana paulista, com indivíduos agoniados por precisar acompanhar a nova realidade que se deflagrava. O automóvel, aqui, ocupa o lugar de símbolo de uma existência onde tudo começou a ocorrer muito rapidamente, um dos marcos do florescimento da modernidade, lugar de registro deste autor que observava, pelo limitado ângulo da janela de seu carro, tal como a lente de uma câmera cinematográfica, as damas que circundavam e se surpreendiam com a velocidade dos automóveis que cortavam as ruas e soltavam a sua fumaça nada inebriante. Reformador das relações, era também um ícone que representava os interesses entre as pessoas, como visto no conto A Sociedade, de Alcântara Machado, parte integrante de Brás, Bexiga e Barra Funda.

Ambiente coletivo, as ruas agitadas designam alegorias das inquietações da época. João do Rio, este homem das ruas da cidade, registra as tantas metamorfoses por meio de seus enquadramentos de escritor atento aos novos processos. As carroças, os traçados dos animais, deixam de ser o foco para a inserção do automóvel como máquina revolucionária. O carro, responsável por delegar o desaparecimento das estruturas anacrônicas, trazia para a sociedade o mencionado fluxo de interesses dos relacionamentos humanos coisificados, numa história com grafia do vocábulo carro com letra maiúscula, reforço do escritor para a imponência do veiculo como protagonista das situações que ele desenvolve ao longo da breve, mas densa estrutura de sua crônica envolvente, veloz e sedutora.

Ademais, o burro, símbolo do período imperial e dos primórdios da fase republicana, já envelhecida, é apresentado como algo anacrônico, destinado ao esquecimento. Podemos contemplar isso com a ossada deste animal, presente noutra crônica do conjunto, O Dia de Um Homem em 1920, cena recorrente em toda a linha de desenvolvimento dos textos de A Vida Vertiginosa. Um dos primeiros a apresentar o automóvel como simbologia da modernidade, João do Rio antecedeu outras histórias de escritores do século XX que tinham neste artigo de luxo um elemento catalisador para os seres humanos e suas relações sociais, como podemos ler em composições literárias em prosa e poesia do já mencionado Alcântara Machado, Sebastião Uchoa Leite, Ana Cristina César, Clarice Lispector, dentre tantos outros nomes de peso da história de nossa profícua literatura. Lido hoje, A Era do Automóvel é um texto que demonstra o quão este símbolo de status social ainda continua dominante na sociedade, uma invenção da humanidade para facilitar as nossas dinâmicas, mas que também pode atrapalhar processos e se transformar numa máquina de matar, tal como a história de O Pirotécnico Zacarias, de Murilo Rubião. Já leu? Sugestão para uma reflexão comparada e bastante crítica.

A Era do Automóvel (Brasil, 1911)
Autor: João do Rio
Editora original: José Olympio
2 páginas

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