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Crítica | A Dupla Face no Escuro

Neurose e sangue frio.

por Luiz Santiago
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Embora os créditos de A Dupla Face no Escuro digam que a obra é baseada em um livro de Edgar Wallace, isso não é verdade. O argumento e o roteiro da fita são originais, concebidos por um time de autores que envolveu até mesmo Lucio Fulci. A indicação de que se baseava em uma obra de Wallace se deu porque o autor era extremamente popular na Alemanha, devido às adaptações de suas obras para os filmes de gênero krimi, sendo esta uma estratégia de marketing da produção para chamar a atenção do público, o que acabou não dando certo. Talvez esse insucesso deveu-se à mistura pouco criteriosa entre o segmento de filmes de crimes e investigações da Alemanha e o giallo italiano. Não que Riccardo Freda não fosse um diretor experiente (não nos esqueçamos que em 1971, ele dirigiu um “giallo puro” chamado A Iguana da Língua de Fogo), mas porque esse tipo de mistura exigia um cineasta com uma tendência maior a experimentos e uma produção que permitisse a extrapolação do óbvio, o que definitivamente não acontece aqui.

No centro da trama, encontramos o empresário John Alexander (uma contida e muito bem construída interpretação de Klaus Kinski), cuja vida aparentemente perfeita é abalada após o segundo ano de casamento com Helen (Margaret Lee), quando os casos de infidelidade dos dois são revelados, e a amizade de Helen com sua amante Liz (Annabella Incontrera) torna a convivência do casal impossível. A patética cena de abertura do filme, com um de seus piores efeitos, e os minutos iniciais onde observamos a descrição dessa derrocada matrimonial dão um bom número de pistas para o espectador a respeito do andamento da história a seguir. Essa expectativa é ainda mais ressaltada quando uma questão de herança entra como suspeita, e a polícia segue essa linha de investigação após a misteriosa explosão do carro de Helen.   

A teia de suspense é tecida com flertes do diretor ao Swinging London, e não é difícil para o público lembrar-se de elementos dramáticos e até mesmo estéticos de Blow Up (Antonioni, 1966) ou do giallo O Louco Desejo (Lenzi, 1969). A presença enigmática de Kinski serve como contraste ao mundo da pornografia que ele acaba visitando, tentando encontrar a esposa, após as suspeitas de que ela, na verdade, não está morta. O mistério desce até o submundo e ganha uma atmosfera sombria e opressiva, mas sem um encaminhamento moralmente negativo, como talvez fôssemos esperar. Freda não explora a criação dos filmes pornográficos de uma maneira julgadora, apenas foca nos crimes que os criadores dessas obras podem ter cometido. E entende que essas pessoas são perigosas e podem ter algo a ver com a “possível morte” ou “desaparecimento” de Helen.

Há uma abordagem indiscutivelmente gótica aqui, e vale destacar as sugestivas sombras e o interessante trabalho de cor criado pelo fotógrafo Gábor Pogány, já conhecido colaborador de Freda. Essa separação entre o ambiente sisudo e antiquado da mansão e persona de John Alexander e a liberdade caótica do baile da juventude e das ruas cheias de letreiros coloridos, piscando e confundindo a mente do já perturbado viúvo, criam no espectador uma constante sensação de inquietude, reforçada pela também contrastante (e maravilhosa) trilha sonora de Nora Orlandi, recém saída de O Doce Corpo de Deborah (1968). 

A dualidade é um fio condutor da narrativa, que mesmo sendo bastante lenta e perdendo tempo em espaços que nada acrescentam ao drama, comunica a separação entre a face limpa e respeitável de uma família e a podridão que comete no escuro. A manutenção da imagem pública é uma preocupação do pai de Helen, quando confrontado por John sobre a reabertura do inquérito policial. Nesse ponto, a busca pelo assassino está se fechando e os movimentos dos personagens são rápidos, a corrupção e as intenções ficam mais claras e a tentativa de tornar John suspeito acaba direcionando a nossa desconfiança para outros indivíduos. O final, com sua “punição convenientemente definitiva”, não é exatamente ruim, mas insiste naquele aspecto menos interessante do filme, que é a falta de coragem e de imaginação para mostrar algumas coisas ou para contextualizar eventos marcantes da história. A Dupla Face no Escuro é um bom giallo, mas sua mescla de elementos do gênero krimi quase derruba a obra para baixo da linha da mediocridade. 

A Dupla Face no Escuro (A Doppia Faccia / Double Face) — Itália, Alemanha Ocidental, 1969
Direção: Riccardo Freda
Roteiro: Riccardo Freda, Paul Hengge, Romano Migliorini, Gianbattista Mussetto, Lucio Fulci (baseado em obra de )
Elenco: Klaus Kinski, Christiane Krüger, Günther Stoll, Annabella Incontrera, Sydney Chaplin, Barbara Nelli, Margaret Lee, Gastone Pescucci, Claudio Trionfi, Luciano Spadoni, Ignazio Dolce, Alice Arno, Carlo Marcolino, Bedy Moratti, Fulvio Pellegrino, Alfred Vohrer
Duração: 87 min.

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