Baseado no conto A Aventura da Cozinheira de Clapham (1923 – 1924), da coletânea Os Primeiros Casos de Poirot, estes dois episódios do anime sobre as histórias de Poirot e Miss Marple foram ao ar entre fevereiro e março de 2005, mantendo-se majoritariamente fiel ao que a obra apresenta, com mudanças que fazem sentido para a estrutura da série (como a personagem Mabel West, jovem assistente de Poirot, com seu bichinho de estimação) e a fase final da investigação, que separa os principais personagens, já que a adaptação precisa lidar com mais gente em cena do que no conto.
A história aqui mantém grande parte da essência do original, mas perde o elemento comportamental da parte de Poirot, que deveria estar em seu início de investigações particulares, aprendendo a dar atenção a pedidos aparentemente desconexos. Um dos pontos de discussão do conto é este, inclusive. Justamente pela “falta de experiência” do detetive belga (na verdade, pela chegada recente do cidadão à seara dos detetives particulares), ele ainda guarda a arrogância de olhar para os casos apenas pela sua aparência de grandeza, o que poderia, ao longo do tempo, deixá-lo de fora de investigações bem interessantes. Mas tudo isso muda aqui, neste evento com a cozinheira de Clapham. Um caso de aprendizado e mudança de perspectivas para Poirot.
De certa forma, isso é lembrado nas entrelinhas pela Sra. Todd, quando vai até o escritório de Hercule pedir para que ele cuide do caso do desaparecimento de Eliza Dunn, sua cozinheira. O elemento humano nesta adaptação é muito mais forte e parece ganhar mais humor e mais meandros cotidianos do que no original, o que é aceitável e esperado, se considerarmos a diferença de mídia e o tempo que o roteirista e diretor tiveram para desenvolver a história, ou seja, dois episódios de quase meia hora, intitulados Um Pedido Agressivo e O Segredo do Baú, respectivamente.
Arthur Hastings, por ser muito mais novo nesta série do que nos livros de Agatha Christie, não tem o mesmo impacto sobre o espectador e suas ações podem até ser consideradas risíveis, de certa forma, pois se limitam frequentemente a observações óbvias. Mesmo que a animação acabe lhe dando bastante atenção individual, as tarefas que Poirot pede para ele fazer são muitos mais “comuns” e “menos instigantes” do que as tarefas que o detetive dá a Mabel, por exemplo.
O tom de confraternização no final endireita bem o arco de episódios, terminando de maneira satisfatória a saga para um caso simplório à primeira vista, mas que se mostrou parte de um crime premeditado, inteligente e cruel. Algumas partes parecem abusar demais da nossa suspensão da descrença e a animação poderia muito bem adotar estruturas visuais melhores para os flashbacks e para o baú de Eliza, que mais parece uma simples mala em praticamente toda a extensão do arco, um lugar impossível de caber o corpo de um homem.
Deixando de lado, porém, esses elementos risíveis, a história funciona sem grandes atropelos e o enredo nos mantém o tempo inteiro curiosos, surpreendendo bastante no final, assim como no conto.
Agasa Kurisutî no meitantei Powaro to Mâpuru (Kieta ryôrinin (zenpen) Gôin na irai / Kieta ryôrinin (kôhen) Toranku no himitsu) — Japão, 27 de fevereiro e 6 de março de 2005
Direção: Masahiko Watanabe, Naohito Takahashi
Roteiro: Shinzô Fujita (baseado no conto de Agatha Christie)
Elenco (vozes): Masako Jô, Hirofumi Nojima, Fumiko Orikasa, Kôtarô Satomi, Yûsaku Yara
Duração: 27 min. (cada episódio)