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Crítica | A Cor Que Caiu do Espaço (2019)

por Iann Jeliel
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Existe uma dificuldade de fazer adaptações de contos de H.P Lovecraft para o audio-visual, pois a filosofia do escritor está muito entrelaçada ao poderio imaginário da literatura. Suas criações possuem normalmente visuais abertos a uma deformidade criada pela mente de quem lê suas descrições, ou seja, a graça do terror de seus contos está em como criamos a imagem de seus monstros em nossa mente, algo que no cinema é impossível, já que é preciso estabelecer um visual uniforme para reproduzir ao longo da contagem da história de um modo identificável. Por isso, os melhores filmes de Lovecraft são aqueles com inspirações em suas obras (como os filmes de John Carpenter e David Cronenberg) e não adaptações diretas, como o próprio A Cor Que Caiu do Espaço, que já possui outras três versões no cinema, das quais somente a primeira, intitulada Morte Para um Monstro, funciona, justamente por ser mais distante do material original, bebendo de fontes como Hitchcock que levaram a um filme mais autoral.

Esta versão de 2019, protagonizada por Nicolas Cage, tinha bastante potencial de originalidade, visto que se contextualiza num cenário favorável às duas vertentes de terror dominantes no mercado. No caso, o horror mais clássico e explícito da Blumhouse e a atmosfera mais psicológica e social da A24. Havia potencial narrativo para ir em ambas com a mesma força, explorando as possibilidades psicodélicas da ameaça da cor do espaço e colocando na dúvida se realmente aquilo está ou não acontecendo com os personagens. O filme começa bem nesse sentido, instigante, misterioso, seguindo a base do conto, mas tomando essa atmosfera voltada ao sugestivo. O uso de efeitos especiais mais carregados tenta colocar aquela dúvida no espectador se aquela forma alienígena realmente vem influenciando ou se são alucinações que refletem dramas dos personagens, de alguma forma deformados.

O desenvolvimento precoce é bem-preparado, mas não ganha a chance de uma nova camada, pois em algum momento da metade do filme a direção perde o timing do processo de alimentação à loucura, acelera os processos, e os exageros se tornam gratuita e aleatoriamente exagerados. Infelizmente, o projeto a partir daí se perde na liberdade criativa e não consegue mesclar os diferentes polos identitários numa unidade coesa de horror. Vira uma bagunça, que se fosse dentro de um terreno assumidamente trash, não teria problema, mas o filme prometeu uma construção mais séria inicialmente e tenta fazê-la eficiente no desespero dos personagens na situação, mas as fragilidades não tinham chegado no ponto convincente de virada, então ficamos sem nos importar direito com as violências causadas a eles. Toda a dinâmica familiar acaba se tornando genérica e inoportuna, reduzida às estereotipações mal-desenvolvidas para a proposta específica, uma falha semelhante as outras versões ruins de adaptações do conto: A Maldição: Raízes do Terror e Die Farbe (2010).

Contudo, mesmo se quiséssemos encarar esta versão desde o início na forma mais direta com o horror, não daria para elogiar, já que, apesar de adotar diversos planos abertos na direção, o cineasta Richard Stanley nem mostra direito as desfigurações das criaturas. Praticamente estando com medo de assumir esse lugar de body horror, a fotografia escurece demasiadamente nas cenas-chave, a ponto de esconder ainda mais o “grotesco”. O diretor tem medo até de deixar Nicolas Cage se libertar, e prepara cenas específicas apenas para que ele grite como um louco, em vez de deixar essa gritaria compor o quadro todo da narrativa. Fora que ele não extrai nem dele nem de ninguém do elenco o mínimo de uma dramaturgia bem-encenada, que compense de alguma forma a falta de desenvolvimento dos personagens em uma conexão mais direta por simpatia visual com seus estereótipos. Provavelmente, os anos sem fazer filme fizeram uma diferença.

Em suma, A Cor Que Caiu do Espaço dá largada com uma proposta que vira outra coisa caída do espaço. Não consegue ser originalmente marcante, tampouco cobre uma boa adaptação do material original, por falhas próprias e por outras que ele não tinha tanta culpa. Como eu falei, a graça de Lovecraft é imaginar, nesse caso, como seria a influência e formatos da cor nos personagens, e aqui não dava para fazer isso, ainda assim, dava pra fazer algo melhor que isso aí.

A Cor Que Caiu do Espaço (Color Out of Space | EUA – Malásia – Portugal, 2019)
Direção: Richard Stanley
Roteiro:
Richard Stanley, Scarlett Amaris (Baseado em livro homônimo de H. P. Lovecraft)
Elenco: Nicolas Cage, Joely Richardson, Madeleine Arthur, Elliot Knight, Tommy Chong, Brendan Meyer, Julian Hilliard, Josh C. Waller, Q’orianka Kilcher, Melissa Nearman, Amanda Booth, Keith Harle
Duração: 111 minutos

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