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Crítica | A Conquista da Honra

por Ritter Fan
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A Conquista da Honra usa a história por trás da famosa fotografia de seis soldados americanos levantando a bandeira de seu país no topo do monte Suribachi, na ilhota vulcânica de Iwo Jima, para estudar a natureza do heroísmo e da fama, sejam os de natureza fabricada ou real. Clint Eastwood, então já com 76 anos, não só embarcou nessa ambiciosa produção dele com Steven Spielberg, como, no processo de estudo profundo sobre a matéria, decidiu transformar o longa na “primeira parte” de um projeto duplo sobre o mesmo teatro de guerra, este a partir do ponto de vista americano e o outro, batizado de Cartas de Iwo Jima, a partir do ponto de vista japonês, falado integralmente na língua nipônica.

Mas, diferente do que se pode imaginar lendo a premissa e as imagens publicitárias, A Conquista da Honra não está interessado exatamente em mostrar a feroz batalha de Iwo Jima ou mesmo lidar com os detalhes de bastidores da bela fotografia com que Joe Rosenthal, da Associated Press, ganhou o prêmio Pulitzer. Ainda que haja belas sequências de batalha e o roteiro levante questões sobre quem exatamente estava na foto, esse não é todo o foco da obra. Isso é particularmente importante, pois, hoje, o filme encontra-se factualmente errado, já que o personagem que podemos chamar de protagonista, John “Doc” Bradley, vivido por Ryan Phillippe, assim como Rene Gagnon (Jesse Bradford), não estavam na famosa imagem conforme determinações feitas em 2016 e 2019 respectivamente.

O real foco da narrativa é indagar sobre a figura do herói, considerado tão importante para levantar a moral de povos, especialmente quando há uma guerra em andamento. Precisamos de heróis, não é mesmo? É importante que ele ou ela nos represente, ou represente nossa nação, pouco importando exatamente as circunstâncias do heroísmo ou mesmo se podemos mesmo chamar a pessoa de herói. Seria por exemplo um herói o soldado que, ao festejar a passagens de caças, cai do navio e morre afogado porque ninguém vai parar para salvá-lo como vemos acontecer no início da projeção? Seria herói um “mero” correspondente como Gagnon que não deu um tiro sequer durante uma batalha? E mais, o que exatamente queremos dos heróis? Afinal, Ira Hayes (Adam Beach) – ironicamente o único dos três soldados que são levados para um tour nos EUA para vender bônus de guerra que realmente levantou a bandeira na foto – é um nativo americano que sequer pode comprar bebida em um bar sem ser expulso exatamente por ser um nativo. Queremos heróis, mas desde que ele se encaixe na visão particular que queremos de um herói, não é mesmo?

Eastwood é inclemente em seu filme. Não, ele de maneira alguma desvaloriza os atos heroicos dos soldados, mas o cineasta não deixa pedra sobre pedra ao virar os holofotes para os heróis fabricados, para a máquina de propaganda que quer gerar dinheiro para os esforços de guerra custe o que custar, mesmo que seja a vida de um dos heróis, mesmo que seja ignorar completamente outros heróis. Até mesmo a simbologia da bandeira em si Eastwood faz questão de enterrar ao deixar muito evidente que não só a bandeira da foto não é a bandeira principal, e sim uma substituta, como ela sequer ser uma bandeira de vitória efetiva, já que ela foi hasteada no quinto dia de uma batalha que duraria mais 35, com três daqueles que aparecem na imagem morrendo não muito tempo depois por fogo inimigo e amigo. Heróis, segundo a propaganda militar, é alguém que gera dividendos e mantém a máquina girando, seja ele quem for, mesmo que ele seja exatamente o oposto de um herói. Heróis, segundo a população, é alguém com quem se tira uma foto que, depois, será admirada como um troféu por 15 minutos e, depois, esquecida nas brumas do tempo.

O fato é que ninguém quer saber quem são os heróis. E também nesse aspecto, Eastwood é feliz em não individualizar demais seus personagens, trabalhando-os de maneira fungível especialmente nas sequências de batalha. Se ninguém indaga realmente quem são os heróis, então eles não interessam de verdade. Ou, ao revés, heróis são todos aqueles jovens ali morrendo em uma ilha perdida no meio do Oceano Pacífico por ordens de gente mais velha que está confortavelmente sentada no quartel. Heróis são buchas de canhão que, individualmente, nada significam, mas que, no agregado, movem montanhas. Ao mesmo tempo que o diretor mantém o cinismo ao nível máximo durante toda a duração do longa, ele consegue elevar o heroísmo difuso que é verdadeiramente o único heroísmo que importa em algo da magnitude da Segunda Guerra Mundial, sem deixar de ressaltar os efeitos da guerra, de ser chamado de herói, o que fica particularmente focado em Ira.

Outra felicidade do filme é a magnífica fotografia de Tom Stern (parceiro constante das obras de Eastwood desde 2002, em Dívida de Sangue) nas sequências em Iwo Jima. Quase em preto e branco para ecoar a cor da areia preta vulcânica do lugar e para tirar todo e qualquer resquício de glamour, a paleta de cores do diretor de fotografia é lindíssima, ainda que opressiva e claustrofóbica mesmo a céu aberto, algo que, por seu turno, contrasta com as sequências nos EUA, mais carregada de cores, mas nunca vibrantes, que, no contraste, inteligentemente artificializam os momentos em que os soldados têm que literalmente pedir dinheiro às pessoas usando sua hesitante fama, criando aquele mal-estar no espectador.

Por outro lado, Eastwood é menos feliz na forma como conduz seu longa. Primeiro, há uma certa confusão narrativa que demora a ser acertada, o que impede o espectador de compreender exatamente quem narra a história. Não é algo que afete a compreensão da fita, mas revela um problema de origem que, depois, é repetido na maneira como as sequências em Iwo Jima são intercaladas com as nos EUA. Não há qualquer semblante de padrão e há idas e vindas temporais que, claro, emprestam a característica não completamente linear da obra, mas que mais atrapalha do que contribui para lidar com as impressões de seus protagonistas. Há, igualmente, um picotamento sensível que impede fluidez em qualquer uma das duas histórias sendo contadas, o que contribui para a impressão de o filme ser mais longo do que já é.

Além disso, o roteiro acelera demais os desfechos de cada personagem principal, recorrendo à entrada mais forte de uma narração de terceiro – o filho de Doc, vivido por Tom McCarthy – que parece ser o remédio artificial e apressado para amarras as pontas soltas e permitir que o filme acabe. Faltou não só dosagem na presença do personagem na linha temporal do presente, como um maior equilíbrio na forma como a história lida com os finais de vida dos três soldados que o longa aborda com mais vagar.

A Conquista da Honra, mesmo assim, é um valioso documento sobre o papel do herói e sobre como ele é criado, ao mesmo tempo retirando o verniz de estátuas, monumentos e fotografias e voltando o facho de luz aos que verdadeiramente o são: pessoas comuns lutando para viver em seu cotidiano, seja em uma guerra declara, seja na luta silenciosa para chegar ao dia seguinte. Heróis não precisam desse rótulo. Nós é que precisamos dos heróis, mas talvez sem realmente precisarmos se pararmos para pensar.

A Conquista da Honra (Flags of Our Fathers – EUA, 2006)
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: William Broyles Jr., Paul Haggis (baseado em livro de James Bradley e Ron Powers)
Elenco: Ryan Phillippe, George Grizzard, Jesse Bradford, Adam Beach, John Benjamin Hickey, Paul Walker, John Slattery, Barry Pepper, Jamie Bell, Robert Patrick, Neal McDonough, Harve Presnell, Melanie Lynskey, Tom McCarthy, Chris Bauer, Gordon Clapp, Judith Ivey, Ann Dowd, Myra Turley, Jason Gray-Stanford, Joseph Michael Cross, Benjamin Walker, Alessandro Mastrobuono, Scott Eastwood, David Patrick Kelly, Jeremiah Kirnberger
Duração: 135 min.

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