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Crítica | A Boneca do Amor

A artificialidade de um casal.

por Luiz Santiago
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Ernst Lubitsch faz de A Boneca do Amor (Die Puppe) um exercício que sintetiza a Sétima Arte como ilusão e artefato, envolvendo-nos num universo onírico que já influenciado pelo Expressionismo Alemão. Desde os momentos iniciais, quando o cineasta se apresenta e, literalmente, constrói uma maquete cênica diante dos nossos olhos, somos transportados para um mundo que abraça a artificialidade e celebra a criação como o coração da experiência cinematográfica. Essa abertura é uma declaração de intenções artísticas que posiciona o filme como metáfora do próprio cinema, onde tudo é construído para encantar, provocar e envolver.

Características do expressionismo são sentidas em diferentes aspectos estéticos da obra, com seus cenários bidimensionais de papelão, linhas distorcidas e perspectivas exageradas; indo até as performances teatrais do elenco. Esse estilo não apenas define a estética do filme, mas também contribui para seu tom surreal, onde a fantasia reina e o espectador é constantemente lembrado que está dentro de uma narrativa deliberadamente fabricada. As nuvens de papelão que se abrem para revelar um sol sorridente, as árvores estilizadas e os cavalos interpretados por homens em fantasias não são apenas detalhes visuais, mas ajudam a formar um universo em que a irrealidade é a chave para a compreensão.

A história, baseada na obra de E.T.A. Hoffmann, carrega o encanto e a simplicidade de um conto de fadas, mas é permeada por uma ironia que a eleva. O jovem Lancelot, que foge de um casamento arranjado e encontra refúgio em um mosteiro habitado por monges corruptos, é um protagonista cujo arco reflete as tensões entre liberdade e convenção. A chegada ao fabricante de bonecas, Sr. Hilarious, introduz um elemento ainda mais absurdo e encantador: a possibilidade de um casamento com uma boneca mecanizada. Aí, o filme abraça de vez sua temática central, explorando a falsidade das aparências e a busca por algo autêntico em um mundo dominado por ilusões. Embora envolvente, a narrativa soa episódica, com transições que não são tão fluidas quanto poderiam ser.

A atuação de Ossi Oswalda é um destaque absoluto, equilibrando a rigidez artificial de uma boneca com a vivacidade de uma jovem mulher que brinca com sua própria situação. A performance, repleta de nuances e energia, encaixa-se perfeitamente no tom do filme, onde o exagero e a estranheza são bem-vindos e ajudam a transmitir a essência dos personagens e suas motivações. Em uma cena de sonho, a duplicidade de sua personagem é explorada de maneira ainda mais profunda, utilizando efeitos fotográficos que ampliam o tema da falsificação e do engano.

Os monges gulosos e gananciosos, o tio obcecado por preservar sua linhagem e o protagonista que prefere fugir de suas responsabilidades matrimoniais (seria ele um homem gay?) constroem uma narrativa que, apesar de leve e divertida, oferece uma crítica ácida às instituições sociais e à hipocrisia humana. Ainda assim, o desfecho da trama lembra um pouco o encerramento de A Princesa das Ostras, com um encaminhamento que não alcança a mesma inventividade do restante do filme. Mesmo não comprometendo a experiência como um todo, essa resolução poderia ter sido mais alinhada com a ousadia e a originalidade que definem os momentos anteriores, sem deixar a sensação que o diretor não soube como lidar com as consequências do clímax, tropeçando mais do que deveria no desfecho.

A Boneca do Amor (Die Puppe) — Alemanha, 1919
Direção: Ernst Lubitsch
Roteiro: Ernst Lubitsch, E.T.A. Hoffmann, Hanns Kräly
Elenco: Max Kronert, Hermann Thimig, Victor Janson, Marga Köhler, Ossi Oswalda, Gerhard Ritterband, Jakob Tiedtke, Josefine Dora, Paul Morgan, Hedy Searle, Arthur Weinschenk
Duração: 66 min.

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