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Crítica | A Bolha (2022)

Ou o filme do próprio filme.

por Gabriel Zupiroli
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Uma característica que define bons filmes de comédia satíricos é a capacidade de não apenas observar o que ocorre ao redor em função da crítica, mas especialmente de compreender seu próprio lugar em meio a essa configuração para, de certa forma, não se tornar um alvo de si mesmo. Caso isso não ocorra, o risco de a acidez reverberar em meio à própria obra é muito alto, resultando em um filme de potenciais desperdiçados por conta, justamente, dessa falta de consciência de sua posição. A Bolha, novo filme de Judd Apatow, se encaixa exatamente nessa característica: uma obra que procura sempre observar o que existe em volta, esquecendo muitas vezes de olhar para suas próprias condições.

Narrando as gravações de um filme de ação genérico em meio à pandemia de COVID-19, onde as condições de trabalho e convivência vão se tornando cada vez mais insuportáveis e absurdas, o longa-metragem procura estabelecer seu humor sobre uma acidez muito bem localizada. É de fácil compreensão que Apatow está interessado em realizar uma caricatura não apenas de certas ações que ocorreram durante os momentos mais críticos da pandemia, mas principalmente do comportamento de certa elite artística e cultural remetente da grande indústria cinematográfica norte-americana. E, para isso, o alvo de sua sátira é um conjunto de retratos de estereótipos que atravessam tal momento da história, fazendo com que a ironia seja sólida a ponto de não depender unicamente da condição temporal do espectador. O que, de certa forma, é um ponto positivo, visto que outro grande problema da comédia é estar presa a seu próprio tempo. O problema é que a localização de A Bolha em meio à produção cinematográfica norte-americana não é deslocada do próprio cenário construído por Apatow: ao apontar o olhar para um nicho, o filme aponta o mesmo para sua própria localização.

Não apenas em um sentido paratextual – no qual compreendemos A Bolha como uma produção de uma empresa gigantesca como a Netflix, dirigida por um veterano das comédias dos anos 2000 e estrelada por alguns famosos que trabalham justamente naquela zona retratada pelo filme -, mas exatamente na interioridade da obra. A construção daquele lugar-comum acaba sendo refletida na própria condução cinematográfica do filme, criando um metafilme que representa, em última instância, seu ponto de origem. Assim, os planos de Apatow, a condução narrativa e a ideia de transmissão de um discurso transparente através dos mecanismos cinematográficos acabam por quase emular as “Feras do abismo”, nome da obra dentro da obra que está sendo satirizada. É um movimento reflexo que reverbera de duas maneiras, indo e voltando, como uma esfera de influência que ultrapassa o próprio ponto original.

Dessa forma, temos um filme que não apenas aposta todo seu humor na sátira óbvia – e que, para ser honesto, até funciona quando se entrega mais corajosamente ao absurdo -, mas que sobretudo procura lapidar um olhar crítico, irônico e ácido que, por reproduzir em si mesma as condições críticas, cria este efeito de retorno. Em outras palavras, A Bolha procura estabelecer um palco para criar uma mise en abyme que falha estratosfericamente ao tornar-se alvo de sua própria ironia.

Não que seja um filme completamente caótico. A potência da ideia é interessante, especialmente utilizando o lugar-comum da pandemia de COVID-19 de uma maneira até então pouco explorada. Mas talvez se Apatow fosse um diretor melhor, teria conseguido elaborar formalmente seu filme de maneira a não esvaziar suas própria interioridade. No fim, resta a comédia da comédia, que não produz humor algum, que procura a caricatura de maneira mais óbvia – o que não é necessariamente um problema em si -, que entrega ao espectador uma sensação de falsidade, porque nunca se efetiva como genuína. As surpresas ficam para os que confiaram. O paratexto, de certa forma, já nos dizia tudo.

A Bolha (The Bubble) – EUA, 2022
Direção: Judd Apatow
Roteiro: Judd Apatow, Pam Brady
Elenco: David Duchovny, Iris Apatow, Karen Gillan, Keegan-Michael Key, Leslie Mann, Maria Bakalova, Pedro Pascal, Raphael Acloque, Vir Das
Duração: 126min.

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